Pouca gente comentou
até agora, mas 2017 é ano emblemático. Marca o centenário do triunfo da
Revolução Russa, que instituiu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). É certo que, décadas adiante – mais precisamente, em 1991 – a pioneira
experiência socialista ruiu, deixando órfãos milhões de comunistas mundo afora.
Naquele momento parecia que o capitalismo triunfaria, hegemônico, prevalecendo
como única alternativa de organização da produção.
Os mais entusiasmados
previam um futuro venturoso, com capitalismo e democracia entrelaçando-se em
simbiose perfeita. Não foi o que aconteceu até agora. Ao contrário: uma intensa
crise econômica arrasta-se desde 2008. Com ela, bilhões de pessoas foram afetadas
pelo planeta. Incluindo aí, claro, milhões de trabalhadores das nações
desenvolvidas, barrados no baile da globalização.
Foram eles que elegeram
Donald Trump nos Estados Unidos e, meses antes, avalizaram a saída da Inglaterra
da União Europeia. São eles também que ameaçam alçar ao poder a extrema direita
na França, na Holanda, no Leste da Europa e que sacodem a supostamente sólida
engenharia que erigiu a União Europeia. Suprema ironia: o eleitorado tende a
consagrar a extrema direita nas urnas não pelas virtudes do capitalismo triunfante,
mas em função de suas mazelas...
Quem envereda na direção
ideológica oposta também não tem lá muitas razões para sorrir. Afinal, na
recente reunião de Davos, na Suíça, os chineses – isso mesmo, os comunistas chineses
– exaltaram as virtudes da economia de mercado, embora não a pratiquem. E Cuba,
coitada, verga sob o assédio capitalista, mesmo com todos os discursos oficiais
negando.
E
o Brasil?
Por aqui, a confusão é
ainda mais intensa. E não apenas por causa do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que provocou
salseiro inédito no cenário político. No Brasil a situação andava confusa há
muito tempo. A famosa Carta aos Brasileiros – na verdade, uma manifestação de
boas intenções para os banqueiros, quando Lula concorria à presidência em 2002
– talvez funcione como um dos marcos do intenso rebuliço ideológico recente.
Há quase um ano, PT e
PC do B repisavam que o impeachment
era golpe. E defenestravam a velha direita caquética à qual estavam aliados até
a véspera. Pois não é que ventos oportunistas desvirtuaram a biruta ideológica
e o PC do B e parte do PT votaram em Rodrigo Maia (DEM), um dos artífices do impeachment, para presidir a Câmara dos
Deputados pelos próximos dois anos?
A perspectiva de
assumir o poder também produziu embaraços ideológicos no PMDB. Os pajés do
partido sempre viveram à sombra do Estado, ocupando cargos, mercadejando verbas
e vitaminando seu projeto político com o estímulo irrefrável dos cofres
públicos. E não é que, subitamente, os próceres da legenda converteram-se em
inveterados privatistas, apóstolos do Estado mínimo? A convicção decorreu das
conveniências da ocasião, claro.
Populismo
E o que comentar do
PSDB, a legenda que sempre requisitou o primado da técnica e da boa gestão?
Converteu-se em valhacouto de populistas rasteiros. É o caso do atual prefeito
de São Paulo, João Dória. Descontando os factoides e as performances, o
“gestor” que renega a política vai pouco além da demagogia de gente do naipe de
Paulo Maluf.
É claro que muitas
legendas abrigam gente coerente: os que estão sempre na situação. E que se
ajustam com perfeição tanto aos impulsos estatizantes quanto às vagas privatizantes,
extraindo o máximo proveito pessoal possível. Quase todo o emaranhado de siglas
vazias que organizam a fauna política brasileira encaixa-se nessa definição.
Os profetas da
Revolução Socialista devem acompanhar, no além-túmulo, desolados, a derrocada
dos seus regimes mundo afora e, sobretudo, a degeneração dos partidos que
alegam defender suas ideias; do outro lado, os liberais ideológicos – aqueles
movidos por ideologia, não por conveniência – devem
revolver-se nas tumbas, testemunhando o apetite dos pretensos privatistas sobre
os cofres públicos.
O mais desesperador é
que nada sinaliza para melhoras no médio prazo. Contrariando o dito popular,
talvez, “nem Jesus na causa”. Afinal, no Brasil, o que não falta é partido
abrigando gente que diz falar em nome do Cristo...
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