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A gênese dos acólitos do “mito” em quatro frases

 

– Eu vou votar em Bolsonaro é para f... a p... toda logo de uma vez!

Ouvi a declaração pouco antes das eleições de 2018. Mais adiante, quando a pandemia arrefecer, pretendo parabenizar o autor da frase, já que não o vejo há tempos. É inegável que suas aspirações foram plenamente atendidas: o Brasil naufraga, estertorando na repugnante cloaca da extrema-direita, sob os olhares perplexos do planeta inteiro. As mais de 310 mil mortes por Covid-19 são apenas uma das faces – a mais terrível, é óbvio – da catástrofe em andamento.

O próprio autor da frase já foi alvejado múltiplas vezes: perdeu o emprego, a aposentadoria ficou mais distante com a redentora reforma da Previdência e, até onde sei, é casado com uma servidora pública que vai ficar sem reajuste salarial até 2036. Mas creio que esteja satisfeito. A não ser, claro, que tenha imaginado que a desgraça só ia chegar para os outros. De qualquer forma, considero-o o mais sincero eleitor de Jair Bolsonaro, o “mito”, que conheço. Outros até podem alegar decepção. Ele, não.

– Se ele não prestar, a gente tira!

Essa eu ouvi ali no Mercado de Arte. Indignado, o garçom intrometia-se na conversa e repelia os comentários sobre o despreparo do “mito” para exercer a presidência da República. Aquele destilava ódio contra os petistas, lançava chispas sobre os interlocutores. Julguei mais prudente o silêncio, havia ali um abismo intransponível para o diálogo. Caso esteja descontente, verá que a aliança do “mito” com o “Centrão” – os corruptos contra os quais ele vociferava – vai inviabilizar o impeachment. Mas talvez esteja contente por aí e nem lembre da bravata.

– Tem que aproveitar, comprar logo, senão depois eles proíbem!

O sujeito falava ao telefone no ônibus e estimulava alguém a comprar armas. Ele próprio anunciava aquisições no curto prazo, num êxtase febril. O diálogo foi numa noite de sexta-feira, enquanto o ônibus subia a Rua da Consolação e preparava-se para embocar na Avenida Paulista. O “mito” tinha acabado de assumir o poder. E o sujeito – pardo, pobre, jeitão de filho de migrantes – entusiasmava-se com o discurso mórbido. Aquele, coitado, devia viver no sufoco, sem dinheiro. Mas a morte que o “mito” inspira fascinava-o, alimentando fantasias armamentistas.

– Eu votei em Alckmin...

Faz uns dias que o sujeito de classe média – o protótipo do “cidadão de bem” – murmurou essa advertência para um amigo numa padaria feirense. Dedicavam-se a um café.  O papo se esgotou ali: ele não se arvorou a esclarecer qual foi sua escolha no segundo turno. E o amigo, cauteloso, preferiu o silêncio diante do tema espinhoso, incômodo. Não testemunhei o desfecho da conversa, mas noto que o ardor dos acólitos do “mito” vem esfriando. Permanecem fiéis somente aqueles que compartilham da mesma excêntrica visão de mundo.

Só que Jair Bolsonaro, o “mito”, permanece aí, galopando a carnificina que já matou mais de 310 mil brasileiros. Milhões sem acesso ao mínimo de assistência, a economia em frangalhos, o caos administrativo e uma anarquia política de difícil equação são legados adicionais. A tardia – e encalistrada – autocrítica do sujeito na padaria talvez seja o primeiro indício de que, ano que vem, defronte à urna, parte do eleitorado decida com menos ódio e com alguma razão.

Mas muita gente ainda baba ódio por aí. Então é melhor se cuidar, mantendo distância da Covid-19 e dos acólitos do “mito”...

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