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Surge o cliente mascarado nos bares da Feira


O sábado à tarde serve para se afogar as ansiedades e tensões do cotidiano. Muita gente, que trabalha pela manhã, arremata a jornada em ruidosas confraternizações com colegas de trabalho. É na mesa do bar – entre generosos goles de cerveja – que se resenha, ruidosamente, o passado; se descortina o futuro com olhos sonhadores; e, delicadamente, contorna-se o presente, sobretudo quando ele é aziago.
Em milhares de mesas dos incontáveis bares feirenses inúmeros interlocutores abraçam essas perspectivas, ainda que, conscientemente, não saibam esquadrinhá-las. E isso pela cidade toda: desde os badalados bares da moda, com seus apreciados cardápios, até os sórdidos botequins da periferia em que cachaça com caju ou limão são as únicas alternativas.
Gente exaltada conversando aos berros, tira-gostos consumidos com ânsia glutona, as dezenas de garrafas vazias de cerveja, os elogios caudalosos, a tempestade de ideias, nada disso constitui novidade na crônica dos bares feirenses. O que há de novo é a mudança de comportamento imposta pelo novo coronavírus.
Nas mesas dos bares, surge uma nova personagem: o cliente que, ciente das ameaças da pandemia, bebe devidamente paramentado com máscara. Nas micaretas do passado talvez alguma personalidade extravagante adotasse o acessório como fantasia. Hoje o imperativo da saúde se impõe e, nele, talvez até haja algum apego à excentricidade. Mas há o temor das gotículas fatais que podem conduzir a contaminação.
No sábado à tarde, identifiquei pelo menos duas personagens que investem na prudência. Ali na rua Artur de Assis – fervilhante artéria de comercialização de autopeças nas imediações do antigo Minadouro – um jovem compartilhava uma mesa metálica com vários amigos. Copos vazios de cerveja e cachaça, muita conversa e gestos enfáticos. E ele lá, interagindo, gesticulando, apostando no risco reduzido de contaminação com o adereço.
O outro eu vi ali nas imediações da Queimadinha. Numa mesa, a imprudência: dezenas de sujeitos num vozerio que alcançava as esquinas próximas. O conteúdo consumido de umas dez garrafas vazias explicava a razão da exaltação. Na mesa ao lado, um sujeito gordo, devidamente paramentado com sua máscara.
Estava na segunda cerveja. Sozinho, se dedicava a examinar quem passava pela rua quase deserta. Era início de tarde, o sol ardente. Acariciava o copo americano e a outra mão deslizava pela mesa de plástico, distraída. Mas, enlevado pela máscara, parecia não atentar para o risco das mãos imprudentes, cujos movimentos não cessavam.
Talvez nem seja recomendável ficar flanando pelos bares, mesmo usando máscara para se proteger. Mas o cliente mascarado parece figura emergente nos bares e no folclore dos bares da Feira de Santana...  
 
  

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