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As versões dos acólitos do “mito” sobre o coronavírus

–... É muita informação que a gente recebe e aí eu fico confuso. Hoje no celular eu recebi duas mensagens dizendo que o vírus é coisa lá da China. Eles estão usando isso para reduzir a inflação lá...
Falou e ficou aguardando alguma explicação. Era pardo, meia idade, barba branca despontando. Vestia calça social e camisa devidamente abotoada. Na mão, um livro cuja capa não consegui identificar. Expliquei que, tecnicamente, aquilo não era informação: era opinião, fundamentada numa interpretação delirante da realidade. Evitei o “delirante” para não ofendê-lo.
Sugeri que buscasse se informar pelos meios de comunicação convencionais.  Aplicativo de celular é cômodo, mas é fértil em mentira, delírio e radicalismo. Ficou me olhando com olhos espantados. Mantinha aquela expressão de angústia, desarvorado com essa guerra de “informações”.
O cidadão não era necessariamente eleitor de Jair Bolsonaro, o “mito”, mas ali tomei conhecimento da primeira interpretação bizarra de seus acólitos sobre a pandemia de coronavírus. Depois, juntando fiapos de versões, percebi que muitos advogam que os chineses criaram o vírus visando obter vantagens econômicas.
Versões mais elaboradas sinalizam para a extensão da manobra: os chineses querem comprar commodities com preços mais baixos; recomprar ações de suas empresas depois das vertiginosas quedas das bolsas de valores; e especular com moedas e títulos disponíveis nos mercados globais.
A outra versão é ainda mais deplorável: o vírus não existe ou mata pouco; é muito mais produto da imprensa internacional – essa abjeta propagadora de mentiras que engambelam os “cidadãos de bem” –, que pretende enganar para dominar. Domingo se viu essa gente aí, pelas ruas, reverente ao “mito” que, pelo jeito, almeja converter-se em “messias” logo lá adiante.
É provável que exista uma terceira vertente, que une numa conspiração monstruosa os chineses e a imprensa internacional. Não se duvide que, nela, figurem também os índios, os quilombolas, os nordestinos, as mulheres, os comunistas, a esquerda e mais uma infinidade de minorias. Afinal, o País atravessa uma quadra cujas aberrações desafiam os mais inventivos ficcionistas.
O brasileiro tende a fazer piada com tudo. Mas a situação é gravíssima, porque envolve o delicado tema da saúde pública. Caso prevaleçam essas versões absurdas, muita morte e muito sofrimento que poderiam ser evitados vão acontecer. Sobretudo entre os idosos, segmento dos mais expostos à epidemia. O delírio dos lunáticos implica em riscos para todos.
O alento é que boa parte das autoridades não se contaminou com essas sandices. Medidas similares àquelas de países já afetados pela epidemia vem sendo adotadas pelas autoridades – a suspensão das aulas e a proibição de aglomerações já foram anunciadas – e a esperança é de que os impactos não sejam tão terríveis.
Mesmo com tantos malucos disseminando seus delírios pelos aplicativos de celular.

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