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Pandemia freia o afã viajante do feirense

Todo cronista, em algum momento, escreve uma crônica sobre a falta de assunto. Algumas delas se tornaram clássicas na literatura brasileira. Caso algum deles aportasse aqui na Feira de Santana nos últimos dias, não poderia reclamar da escassez de matéria-prima. Ao contrário: as novidades se avolumam num turbilhão que é difícil de acompanhar. Talvez se estafassem na tarefa, tentando exaurir todos os assuntos. Tudo em função da epidemia de coronavírus.
Amanhã (20), por exemplo, o Terminal Rodoviário estará interditado. Fato raro. É mais provável que seja, até mesmo, inédito. Na cidade comercial da Feira de Santana – consagrada pelo incessante ir-e-vir de gente na faina de comprar e de vender – durante 10 dias ninguém chega nem sai utilizando transporte coletivo. Nem mesmo aquelas vans – o famoso transporte alternativo – será permitido.
Cresci encantado com uma particularidade da Feira de Santana: aqui as chegadas e as partidas não são só comuns: são quase a regra, flertam com um impulso irreprimível. Viajar, na Princesa do Sertão, sempre foi imperativo. Aqui pulsa a energia do comércio, do mercadejar, do farejar oportunidades. Isso implica, necessariamente, viajar, palmilhar o Recôncavo e o Sertão, aventurar-se pelos quinhões remotos.
O frenesi de quem se aventura aí pelo mundo, negociando nas feiras-livres, entregando mercadoria, representando grandes empresas – antigamente o sujeito era chamado de caixeiro-viajante – em certa medida moldou a psicologia coletiva da Feira de Santana. Muitos podem até cultivar uma existência sedentária, mas acatam essa perspectiva aventureira, errante, andarilha.
Aqui a amplitude começa na própria zona rural: uma dezena de distritos se desdobra em dezenas de povoações e, quiçá, em mais de uma centena de localidades miúdas. Às segundas-feiras os letreiros de ônibus antigos exibem os destinos, batizados com homenagens pomposas (João Durval, Maria Quitéria) ou prenhes de inspiração popular (Matinha, Jaguara). Quem circula pelo Centro de Abastecimento se encanta com tantos destinos.
Pelo centro das cidades espalham-se dezenas de pontos improvisados. Neles, embarca-se para o Recôncavo próximo ou para os destinos mais distantes que se diluem na poeira dos Sertões. É intensa a interação da Feira de Santana com essa gente que vem comprar mais barato, que busca atendimento médico ou um serviço numa repartição pública qualquer.
E há aqueles que, de passagem, nas janelas dos ônibus, observam, espantados, o trânsito intenso na Feira de Santana. Costumam se deslocar de longínquas cidades nordestinas – Sobral, Caicó, Petrolina, Campina Grande – em direção a São Paulo, a Santos, a Belo Horizonte ou ao Rio de Janeiro. Atravessando o centro da cidade ou aventurando-se pela Avenida Contorno, esses ônibus estão incorporados à paisagem feirense.
É esse lufa-lufa de quem chega, de quem sai, de quem faz uma parada breve num ponto de apoio, que molda muito do espírito feirense. Mesmo daqueles que, por ofício, não se aventuram por aí, pelo mundo. Pois amanhã tudo muda, inicialmente, por dez dias. Transporte de cargas permanece autorizado, mas os passageiros não circularão. Vamos ver como o feirense vai lidar para conter esse afã.
E, no sábado, o comércio para. Mas isso fica para um próximo texto, nestes dias de intensas novidades...

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