Na última
semana de maio Feira de Santana figurou nas manchetes dos maiores sites de
notícias do país, ganhou espaço nos principais telejornais e, de quebra, rendeu
chamadas nas capas de inúmeros jornais. Tudo por conta da rebelião que resultou
em dezenas de reféns, diversos feridos e – sobretudo – em nove assassinatos. As
cenas da barbárie circularam com velocidade impressionante pela Internet, a
partir de milhares de compartilhamentos e de incontáveis comentários. E também
foram exibidos exaustivamente nos programas sensacionalistas da tevê.
Os
cadáveres empilhados num canto do pavilhão, a cabeça da vítima, decapitada,
depositada como oferenda no pátio, o arsenal apreendido entre os rebelados – as
armas utilizadas no motim foram entregues num pitoresco saco plástico – e as
declarações hesitantes das autoridades, surpreendidas com o episódio, mostram o
aterrador descontrole reinante no sistema carcerário baiano.
Sob o impacto
da rebelião, algumas notícias alarmaram os desavisados. É que, embora disponha
de pavilhões ociosos, o presídio feirense abriga o dobro de internos de sua capacidade
utilizada. Para que os novos pavilhões entrassem em funcionamento, bastava
contratar mais agentes, decisão que foi sendo retardada até eclodir o sangrento
motim. Deu no que deu.
Também veio à
tona uma verdade reiteradamente negada pelas autoridades carcerárias
brasileiras: a de que os presídios são controlados pelos presos, que continuam
exercendo suas atividades criminosas, mesmo encarcerados. Aqui na Feira de
Santana, eles não apenas contrabandearam armas, como executaram tranquilamente
suas vítimas e, por fim, encerraram a rebelião quando melhor lhes convinha.
A tragédia, no
entanto, não se encerra aí: as execuções resultaram do confronto entre
quadrilhas bem-estruturadas – as chamadas facções – cujas ações ocorrem com
desenvoltura nas ruas, mas também no sistema carcerário, conforme o episódio
atestou. Como se vê, o Estado não consegue frear o crime organizado nem mesmo
quando seus integrantes estão encarcerados, cumprindo pena e, em tese,
impossibilitados de atuar.
Ressocialização
Como sempre
acontece nessas circunstâncias, imediatamente após a rebelião e o massacre
inúmeras autoridades visitaram as dependências do presídio. Até uma comissão de
deputados estaduais apareceu. Depois, os discursos fluíram caudalosos,
transitando das inescapáveis justificativas até às retardatárias medidas
corretivas. De concreto, até aqui, só a transferência de duas dezenas de internos
para o presídio de Serrinha.
A sangrenta rebelião no presídio feirense
mostrou, mais uma vez, que, no Brasil, quem vai preso não é formalmente
condenado à morte mas, no mínimo, perde o direito à vida. Pelo menos a
perspectiva da ressocialização – ou da própria socialização, na maioria dos
casos – se dilui no ambiente feroz controlado pelas facções criminosas. Isso
não deixa de ser uma renúncia involuntária à possibilidade de se viver uma vida
nova lá adiante.
Parte dos
presos brasileiros cometeu delitos leves e pode, com apoio, regenerar-se,
retomar a vida de maneira pacífica. Para isso, todavia, é necessário que o
Estado exerça seu papel, reassumindo o controle sobre o sistema carcerário,
hoje terceirizado para as facções criminosas. Nada no horizonte sinaliza para
essa direção.
No momento as
perspectivas são tenebrosas: compulsoriamente recrutados pelo crime organizado
ou, simplesmente, oprimidos pelas facções hegemônicas em galerias e pavilhões,
os presos tendem a engajar-se na vertiginosa espiral da violência que assola o
Brasil, até por falta de opção. Enfim, mergulham nela como algozes ou vítimas.
Com o passar
dos dias, a tendência é que o Conjunto Penal seja esquecido, pelo menos até a
próxima rebelião. Muito do que foi prometido será engavetado. A morosidade e a
indiferença fermentarão o combustível para um novo motim que, invariavelmente,
ganhará as manchetes com estardalhaço...
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