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Um pouco da realidade rural feirense



              
      Fala-se pouco sobre a realidade rural da Feira de Santana. Em geral, a abordagem enfatiza as raízes agropecuárias do município, suas origens na chamada civilização do couro, que, lá nos primórdios do século XIX, deu impulso admirável à feira-livre. Esta, tempos depois, arrebataria a condição de uma das mais importantes feiras-livres do interior do País, consolidando a Feira de Santana como principal entreposto comercial  do interior baiano. Nessa etapa, apesar da relevância do gado como produto, foi o conjunto da atividade mercantil que firmou-se no imaginário como elemento dinâmico.
                A partir dos anos 1960, com a implantação das primeiras grandes unidades industriais no CIS, a dimensão urbana afirmou-se de maneira irrefreável, relegando o rural e o agropecuário a um plano secundário. Até mesmo a pecuária bovina, um dos principais motores da economia feirense, foi eclipsado pelo charme das chaminés, que regurgitavam a fumaça do progresso.
                Nas últimas décadas, a urbanização acelerada, combinada ao vertiginoso desenvolvimento do comércio e, sobretudo, dos serviços, aprofundaram a invisibilidade da Feira rural. Alguns números que costumam passar despercebidos, no entanto, sinalizam a importância que essa dimensão possui para o município e para a Bahia.
                Dados do Censo 2010 do IBGE indicavam que exatas 46.020 pessoas viviam na zona rural do município. Em números absolutos, é a maior população rural do estado. Municípios com vocação rural mais acentuada, como Campo Formoso (41.766), Monte Santo (43.515) e Juazeiro (37.198) ficam atrás nesse quesito.
                Somente 48 municípios baianos tem população total – somando-se os habitantes das zonas urbana e rural – maior que a Feira de Santana. Essa significativa população rural abriga-se em precisos 11.453 domicílios, também conforme o IBGE. A quantidade de residências é bem superior aos totais apurados em Casa Nova (6.941), Ipirá (6.498) e Ilhéus (6.505).
                
                   Desafios
               
               Na zona rural residem 6,8 mil feirenses que estão na condição de extremamente pobres, com renda per capita inferior a R$ 70, conforme critérios e levantamento do Censo 2010 do IBGE. Percentualmente, representam pouco mais de 17% do universo de 37,9 mil feirenses nessa condição. Mas, quando se considera que apenas 8% dos feirenses residem na zona rural, é que se percebe a fragilidade desse segmento da população. Seu risco de ser extremamente pobre é, portanto, dobrado.
                Em grande medida, o feirense nessa condição é agricultor familiar. Dados do Censo Agropecuário de 2006 – não há um levantamento mais recente – indicam que 5,8 mil dos agricultores familiares  extraem seu sustento de propriedades cuja área total não supera os dois hectares. Essa, sem dúvida, é uma das razões da pobreza elevada no meio rural feirense.
                Apesar disso, a agricultura familiar produz riquezas: os 7,8 mil agricultores familiares feirenses representam 87% dos produtores rurais, ocupam 36% das áreas disponíveis e geram 44% da produção agropecuária do município. Sua produtividade média, portanto, é superior à do setor agropecuário feirense.
                Nos próximos anos, aponta-se para a tendência da população rural feirense se estabilizar. É que, no intervalo entre 1991 e 2000, houve decréscimo médio anual de 1,5% no campo, enquanto a população urbana se expandia 2,4%. No decênio seguinte, a evasão do campo reduziu-se à metade (-0,7%) e a expansão urbana também declinou (1,5%).
                Pouco discutida, a Feira rural sofre com uma série de deficiências que, caso sanadas, contribuiriam para elevar a qualidade de vida de sua população. Mais serviços e equipamentos de saúde e educação, mais água para produção e consumo, com mais transporte e estradas melhores contribuiriam para elevar a produtividade do agricultor familiar, resgatando-o da invisibilidade e reduzindo sua dependência dos favores oficiais.


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