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A emblemática visita de Dilma Rousseff



               
Na quarta-feira a presidente Dilma Rousseff (PT) veio a Feira de Santana para inaugurar 920 unidades habitacionais no bairro Gabriela, o “Solar da Princesa” 3 e 4. A partir daqui, pretende deflagrar o ciclo de viagens que busca resgatar a popularidade perdida nesses primeiros dois meses de governo. Não deixou de ser uma visita surpreendente, já que até a sexta-feira passada ninguém havia noticiado a inauguração, nem a viagem. Há um ponto em comum entre essa visita e as anteriores: nelas, o objetivo foi inaugurar ou inspecionar obras do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
                Foi a partir da Feira de Santana, nas eleições de 2014, que Dilma Rousseff impulsionou sua campanha até a vitória final, realizando uma caminhada e um discurso com milhares de participantes. E, desde 2009, quando foi lançado, o MCMV é positivamente associado à figura da presidente. Tratou-se, portanto, de uma visita com acentuado sentido político.
                Pode-se afirmar que essa política habitacional está tão associada à presidente quanto a estabilização monetária esteve para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ou os diversos programas sociais para o ex-presidente Lula. Nem tudo, porém, são flores na trajetória do MCMV no Brasil e, obviamente, na Feira de Santana, emblematicamente associada ao programa.
                O residencial Nova Conceição, com seus 440 apartamentos, foi a primeira obra inaugurada pelo MCMV, ainda em 2010, no primeiro semestre. Lula e a própria Dilma Rousseff estavam presentes. Em janeiro de 2011 pipocaram denúncias de venda irregular de imóveis, o que foi confirmado pela própria Caixa Econômica em relação a, pelo menos, 46 apartamentos.
                Nos anos seguintes, aqui ou ali, foram surgindo novos problemas: em março de 2013, uma construtora foi autuada porque trabalhadores atuavam em condições análogas à de escravidão: pagaram passagem para chegar à cidade do próprio bolso e residiam em alojamentos infectos. O episódio ganhou repercussão nacional.

                Estrutura

                Em 2014, em novembro, o condomínio Vida Nova ganhou notoriedade: inaugurado quatro anos antes, o conjunto já apresentava infiltrações, pisos cedendo, rachaduras e esgotos entupidos. O problema, a propósito, se repete em outros conjuntos: o Videiras e o Figueiras, entregues em 2012, também já apresentaram problemas, conforme reclamaram muitos moradores.
                O déficit habitacional é apenas uma das mazelas que afligem os brasileiros pobres: saná-lo, em parte, não assegura melhoria integral na qualidade de vida. Dramas como o desemprego, o subemprego e a violência também fixaram moradia nos novos residenciais entregues ao longo dos últimos anos, acompanhando seus moradores.
                 São comuns notícias sobre a violência nos novos condomínios. Eventualmente, alguém é executado dentro desses residenciais ou nas cercanias, em acertos de contas do submundo. Notícias indicam que confrontos entre gangues rivais acontecem com frequência, na frenética disputa por territórios.
                Em setembro passado, um balanço divulgado sinalizava que cerca de 19 mil imóveis já tinham sido entregues pelo MCMV na Feira de Santana, com investimento superior a R$ 1 bilhão. Jamais se investiu tanto em habitação popular no município e outro ciclo do gênero deve demorar pelo menos 20 anos para acontecer.
                É óbvio que os recursos aportados no MCMV são fundamentais para a Feira de Santana, sobretudo porque beneficiam a população mais pobre. Por outro lado, as inúmeras mazelas apontadas sumariamente nesse texto mostram a necessidade de enxergar a questão da melhoria da qualidade de vida da população sob uma perspectiva mais ampla: além da moradia, educação, saúde, segurança pública, cultura, lazer, transporte e oportunidades de inserção produtiva são essenciais para que, efetivamente, o Brasil melhore para quem precisa.

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