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Será que vale a pena flertar com o arbítrio?




Podemos afirmar, sem hesitação, que a democracia brasileira vive o seu momento mais delicado desde que os generais-presidentes transmitiram o poder aos civis, após 21 anos de Ditadura Militar, em 1985. A disposição de certos segmentos mais radicalizados de desalojar o Partido dos Trabalhadores do comando do País, de qualquer maneira, não arrefeceu nem após a confirmação da reeleição de Dilma Rousseff (PT) para a presidência, no segundo turno, realizado no domingo (26).
Desde então, há quem pregue, abertamente, um Golpe Militar como solução. Sugestão do gênero circula pelas redes sociais, inclusive com patéticos pedidos de intervenção das Forças Armadas para que “salve o País”, “restabeleça a ordem”, entre outras sandices do gênero. Esse empenho por uma intervenção militar, a propósito, foi ensaiado há meses, em abril, quando o golpe de 1964 completou 50 anos. Mas, na ocasião, não reuniu nada além de meia-dúzia de excêntricos em algumas capitais brasileiras.
Outros, mais toscos, resolveram canalizar seu ódio para os nordestinos, atribuindo-lhes a causa da derrota do seu candidato, Aécio Neves, do PSDB. E tome barbaridade em perfis pessoais que se tornaram verdadeiras cloacas, regurgitando aquilo que lhes fervilha nas mentes. Esses, frenéticos ativistas de sofá – na feliz definição dalgum internauta anônimo – ameaçam pouco porque lhes falta legitimidade política.
O problema é quando representantes eleitos pela população tornam-se porta-vozes dessas barbaridades. É o caso de um célebre integrante da bancada da bala de São Paulo, que defendeu a separação do seu estado do restante do Brasil. Afirmações absurdas do gênero – que ferem a própria Constituição de 1988 – mostram, adicionalmente, o quanto é urgente uma reforma política nesse País.
É claro que essas inclinações golpistas partem de uma minoria inconformada e ainda magoada com os resultados das eleições. Chamam a atenção, mas são minoria absoluta, embora radicalizada e disposta a tudo. Mas, em relação a esses casos que vão surgindo, é necessária a aplicação da lei para punir os preconceituosos e suas disposições totalitárias. Sobretudo para evitar que essas ideias absurdas se propaguem.
Os principais líderes da oposição, caso sejam sinceros democratas – o que, em alguns casos, percebe-se que não – deveriam contribuir para pacificar os espíritos nesse período pós- eleitoral e cumprir seu papel de oposição nos espaços políticos adequados, que são os parlamentos.
Os discursos moralistas, a retórica do caos econômico e social, a intrépida participação de determinados órgãos de imprensa, o suposto risco a que está exposta a democracia, a necessidade de solução pela força – tudo isso fez parte do cenário preparatório para o Golpe Militar de 1964. E se vê novamente agora.
Depois dele, mergulhamos na tragédia de mais de duas décadas de supressão das liberdades. Será que vale a pena flertar com o arbítrio?

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