Pular para o conteúdo principal

Dois projetos e uma eleição



              
Neste domingo chega ao final a mais acirrada disputa presidencial desde o restabelecimento das eleições presidenciais no Brasil, no já distante ano de 1989. Oficialmente, a campanha começou no mês de julho, ainda com a Copa do Mundo em curso nos estádios brasileiros. Mas, na prática, a disputa estava em ebulição desde as jornadas de junho de 2013, ganhando mais clareza com as definições das principais candidaturas, há pelo menos um ano.
                O nível de exposição dos candidatos na imprensa, o tom beligerante que marcou o embate e a indisfarçável sanha da chamada “grande mídia” de desalojar os petistas do poder, manobrando o noticiário ao sabor das suas conveniências eleitorais e em proveito dos seus favoritos, exauriu o eleitorado. Em alguns casos, mais que enfado, provocou repulsa e indignação.
                Vença quem vencer no domingo, espera-se que os ânimos serenem. Cabe ao vencedor – Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB) – conduzir a pacificação dos espíritos nos delicados próximos meses. Mas, quem perder, também deve demonstrar altruísmo e reconhecer a derrota, como é praxe nos regimes democráticos e não questionar a legitimidade do vencedor.
                Já comentamos, nesse espaço, sobre a cisão provocada na sociedade brasileira pelo anseio de determinados segmentos de vencer o PT de qualquer maneira. Isso com o franco estímulo de parte da imprensa. Mas, ao que parece, nesse País a decisão da maioria do eleitorado ainda é soberana. E ambos os candidatos são seres humanos com virtudes e defeitos, assim como os projetos que eles representam. Não estão, portanto, acima do Bem e do Mal.
                Dilma Rousseff
                A candidata petista, nos seus primeiros quatro anos de mandato, teve a virtude de preservar os grandes avanços sociais assegurados no mandato do seu antecessor, Lula. É o caso das políticas de transferência de renda, da valorização do salário-mínimo, do sistema de cotas nas universidades públicas e de investimentos que beneficiaram a população mais carente, como o Minha Casa, Minha Vida, de construção de habitações populares.
                Dilma Rousseff também preservou um dos pilares da política externa brasileira do antecessor Lula: a posição independente do País, que durante 100 anos sempre esteve automaticamente alinhado com os Estados Unidos, mesmo que isso significasse contrariar os próprios interesses. Uma avalanche de críticas sucedeu essa opção, que é o preço normal da ruptura com a sujeição secular.
                Por outro lado, Dilma Rousseff demonstrou pouca desenvoltura política, com escasso diálogo com sua base e com os partidos aliados, provocando descontentamento. Também faltou proximidade em relação à classe empresarial. Esses deslizes não chegam a surpreender, dada sua origem mais técnica que política, mas exigirão correção, caso seja reeleita.
                Aécio Neves
                O candidato tucano passou a campanha prometendo preservar as políticas sociais que constituem as marcas do PT: o Bolsa Família, a política de elevação do salário-mínimo e os investimentos  em habitação popular, por exemplo. E prometeu mais: “qualificar” essas políticas, tornando-as melhores do que são. Em suma, prometeu o paraíso, como convém a toda propaganda eleitoral.
                O problema de Aécio Neves é o já anunciado ministro da Fazenda do governo dele, Armínio Fraga. Este já criticou a elevação do mínimo, cogitou privatizar os bancos públicos, não vê problema em desemprego mais elevado e, no governo Fernando Henrique Cardoso, arremessou as taxas de juros para 49,5% ao ano, quando era presidente do Banco Central.
                Assim, cabe ao eleitor comparar os dois projetos que vão se apresentar na tela da urna: a manutenção do PT no poder e seu legado social da última década ou as promessas de mudança do PSDB que lembram muito o que os brasileiros viveram em meados dos anos de 1990 e que, não necessariamente, beneficiavam o eleitorado mais humilde.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express