Pular para o conteúdo principal

Feira também pode ter a sua Ceasinha...



Demorou décadas, mas finalmente Salvador ganhou um entreposto à altura da secular tradição das feiras-livres da Bahia: a famosa Ceasinha do Rio Vermelho, inteiramente reformada e entregue à população há alguns meses. Apesar dos percalços inevitáveis que marcaram o andamento da obra, provocando reclamações de comerciantes e usuários, em função do desconforto e dos prejuízos, o espaço figura no mesmo nível de mercados afamados existentes em grandes metrópoles brasileiras, como Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo, para mencionar apenas os principais.
Com a reforma, os padrões básicos de higiene e limpeza passaram a ser atendidos: quem for comprar carne encontrará o produto disponível em balcões refrigerados, com atendentes limpos. As frutas são encontradas em embalagens cômodas, à vista dos clientes. E produtos típicos da culinária baiana, como o azeite de dendê, a castanha e o quiabo são comercializados em espaços organizados.
Os novos boxes apresentam, também, um aspecto de asseio à altura dos consumidores mais exigentes. Os corredores, por sua vez, são largos e permanecem limpos: diversos recipientes de lixo induzem comerciantes e transeuntes à cultura da higiene, antes pouco estimulada. Dois outros aspectos fundamentais também são contemplados: a iluminação e a sensação de segurança.
  O entreposto também exibe o chamariz mais saliente dos modernos mercados das grandes cidades: diversos bares e restaurantes atraem uma clientela variada que assegura vida à Ceasinha, reforçando o apelo boêmio bairro do Rio Vermelho. Em suma, a capital baiana ganhou um espaço à altura de suas tradições, que deveria também ser replicado nos demais entrepostos similares existentes na própria Salvador.
E Feira?
As intervenções na Ceasinha serviram para desmistificar a crença, solidamente arraigada, que iniciativas do gênero são inviáveis, até utópicas, na Bahia. O que originou essa crença? Talvez o tradicional desdém pela população mais humilde que, majoritariamente, mercadeja e constitui parcela expressiva dos consumidores. Com a iniciativa do Governo do Estado, é mais um tabu que se desfaz.
Feira de Santana também possui um entreposto cuja relevância simbólica rivaliza com a dos mercados municipais das grandes metrópoles brasileiras: o Centro de Abastecimento. Inaugurado em meados dos anos 1970, o entreposto jamais passou por intervenções relevantes nesse intervalo. Os eventuais reparos colocaram-se na agenda mais como medida emergencial que, propriamente, política contínua de manutenção.
Esse descaso é visível em qualquer visita distraída ao entreposto: lixo acumulado, sujeira, fiação exposta, depredação, lama, drenagem precária, insegurança e desorganização constituem a rotina do Centro de Abastecimento, conforme avaliam comerciantes e frequentadores. Aqui ou ali, uma intervenção improvisada contribui para reforçar o cenário caótico.
Políticas
É possível tornar o Centro de Abastecimento um entreposto à altura da Ceasinha do Rio Vermelho, que inclusive atrai visitantes estrangeiros? Talvez a realidade não permita tanto, já que inclusive as funções dos dois entrepostos não são exatamente idênticas e os públicos frequentadores também são distintos. Mas que melhorias radicais são possíveis no médio prazo, revitalizando o entreposto, não há dúvidas.
 No âmbito do governo – no caso, a prefeitura feirense, que é responsável pela gestão do espaço – duas pré-condições são fundamentais: disposição política e capacidade gerencial. Com a disposição política – empregando o diálogo como ferramenta – é possível convencer comerciantes e consumidores das necessidades de intervenção, tornando-os aliados da iniciativa.
Com capacidade gerencial viabiliza-se um projeto, acessam-se recursos, promove-se uma reforma e o município passa a contar com um equipamento revitalizado e em condições de alavancar os negócios no local. É claro que a trilha é tortuosa, mas os obstáculos não são intransponíveis. O planejamento e a adoção de instrumentos adequados, porém, podem encurtar o caminho, assim como se fez na Ceasinha do Rio Vermelho...  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express