Em dezembro, junto
com o calor que aumenta com a proximidade do verão, as ruas centrais da Feira
de Santana ganham, gradativamente, um número incontável de consumidores. O
pagamento do décimo-terceiro salário para os trabalhadores formais e, sobretudo,
os festejos natalinos com todos os seus apelos ao consumo, magnetizam e atraem
milhares de pessoas, desde meados de novembro, para o fervilhante centro da cidade.
Nessa época do ano, consumidores e o clima seguem um roteiro às vezes
milimetricamente predeterminado.
Apesar
dos eventuais imprevistos da natureza em função das tão comentadas mudanças
climáticas, o clima sertanejo segue uma sequência facilmente imaginável para
quem acumula a experiência de muitos anos de observação. Logo cedo, e até o
final da manhã, imensas nuvens encardidas se sucedem varrendo a amplidão, mas o
calor permanece sufocante. Depois do meio-dia as nuvens escasseiam e o céu azul
reflete a luz radiante do sol.
Em
anos bons, trovoadas intensas desabam, quase sempre pelo meio da tarde. Depois
fica um suave frescor que aos poucos se dissipa. E o cheiro da terra molhada se
mistura ao cheiro marcante das mangas que vão amadurecendo nos galhos. Esse é o
cheiro do dezembro sertanejo da Feira de Santana.
Esses
detalhes da natureza, porém, passam despercebidos para quem dedica-se ao
frenesi das compras. Para os consumidores vorazes só existem os números que informam
preços. No máximo, notam-se os adereços do onipresente Papai Noel que desfila
em meio a uma neve artificial e extemporânea no Brasil Setentrional, de manhãs
e tardes incandescentes.
Trânsito
Para
conseguir andar pelos becos e avenidas apinhados da Feira de Santana é preciso paciência.
Esbarrar em embrulhos, sacolas e pacotes vermelhos transportados por
transeuntes apressados é a regra. Nas esquinas, as aglomerações tornam
complicado até mesmo manter os pés no chão de pedras portuguesas, dada a incessante
disputa pelos espaços que escasseiam.
A
fúria consumista não é silenciosa: vozes trocam impressões aos berros, músicas
natalinas soam em potentes caixas de som, vendedores ansiosos repetem pregões
para esgotar os estoques, buzinas esganiçam aflitas e carros de som, que
incessantemente anunciam ofertas imperdíveis, completam a profusa e
incompreensível trilha sonora. Quem avança pela Sales Barbosa ou pela Senhor
dos Passos às vezes sequer consegue ouvir o próprio pensamento.
Nessa
época legiões de crianças invadem o centro da cidade. Vão escolher o brinquedo,
a roupa ou, simplesmente, acompanhar os familiares. Esbarram nos adultos,
aporrinham-se com a multidão e o barulho mas, por instantes fugazes,
encantam-se com os bibelôs infantis que se oferecem nas vitrines, para os quais
espicham inocentes olhares de desejo.
Comida
As
intermináveis jornadas de compras fazem regurgitar restaurantes, bares,
lanchonetes, padarias e as barracas ao ar-livre. Mastiga-se com furioso apetite
e engole-se em ávida celebração pela trégua farta do décimo-terceiro salário. Os
cheiros convidativos dos tradicionais pratos regionais misturam-se aos aromas
das refeições rápidas e calóricas, dos sanduíches e lanches gordurosos. Nesses
ambientes também disputam-se espaços com empenho glutão.
Os
engarrafamentos incorporam-se de vez à rotina natalina. Apressados,
consumidores pejados de presentes tentam embarcar nos ônibus em pontos
abarrotados. Há quem equilibre embrulhos numa ampla variedade de motocicletas.
Os mais abastados aporrinham-se ao volante, buzinando com estrepitosa falta de
decoro. Voltar para casa é a provação final dos prestimosos filhos de Papai
Noel.
Às
vésperas do Natal o comércio ignora o chilrear dos pássaros no crepúsculo e a
luz sanguínea que tinge o céu. As lojas seguem abertas, com o incessante
ir-e-vir dos consumidores. Aos mais ocupados só restam essas incursões
noturnas, quando a temperatura fica mais amena. Depois do Natal virão os
balanços sobre as vendas. Mas só depois do Natal.
Por
enquanto, resta incorporar o mais autêntico espírito natalino.
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