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A Lição que vem do Conjunto Viveiros




O Viveiros é um dos bairros mais esquecidos da Feira de Santana. Foi erguido nos primeiros anos da década de 1990, como conjunto residencial para a população de baixa renda. Surgiu junto com o Feira IX, numa época de inflação estratosférica e escassos recursos para investimento em moradia popular. Fica fora dos limites da Avenida Contorno, após o conjunto Feira X. Uma estreita e sinuosa via, por onde circulam poucos ônibus, ligam o Viveiros à cidade. A vegetação no entorno é agreste: o bairro fica na porção semiárida da Feira de Santana. O sol se põe nos morros atrás do conjunto.
Não é só a distância do centro da cidade que caracteriza o Viveiros. Com os primeiros moradores, chegaram junto os problemas que castigam os bairros periféricos das médias e grandes cidades brasileiras. Poucos postos de saúde – e escassa atenção de profissionais de saúde – e escolas precárias são desafios comuns à comunidade.
Inúmeros outros problemas afligem a população: vias esburacadas que levantam muita poeira e atormentam a vida das donas-de-casa; total ausência de opções de lazer para os moradores, particularmente a população jovem; e a crônica falta de oportunidades para pais e mães de família que vivem aflitos sob o desemprego ou o trabalho precário.
Uma rápida busca nos sites de notícias mostra que o flagelo da violência ceifa muitas vidas e intranquiliza pais e mães de família do bairro. São comuns execuções, chacinas e prisões de acusados de tráfico de drogas. Até a semana passada, o Viveiros frequentava o noticiário sob a pior perspectiva possível, nas manchetes policiais, com registros caudalosos de assassinatos e execuções.

Mais Médicos

Pois bem: o inusitado afastamento do médico cubano encarregado de atender a população local pelo programa Mais Médicos levou o pobre e esquecido Viveiros às manchetes nacionais. Subitamente, a humilde população do bairro se viu protagonista da furiosa batalha ideológica que cerca o polêmico programa do Governo Federal. A partir daí, figuras pouco frequentes no noticiário posicionaram-se, ministrando uma lição de nobreza rara de ver nos dias atuais.
Evidentemente o médico Isoel Goméz Molina convivia com a polêmica desde que pisou o solo brasileiro: afinal, os médicos cubanos, por razões ideológicas, foram os mais hostilizados pela imprensa desde o anúncio da polêmica iniciativa. Os moradores do Viveiros, não: estes apenas aguardavam pelos serviços de um profissional de saúde que os olhasse nos olhos e os escutasse sobre os problemas que os afligiam.
É possível que a diarista Gilmara Santos pensasse nisso quando saiu de casa em busca de atendimento médico para o filho no posto do bairro. Seguramente ela não imaginava que passaria a figurar como personagem de destaque no controverso Mais Médicos, de tantas polêmicas e discursos iracundos. Pouparei o leitor dos detalhes já tão conhecidos: de uma faísca brotaram as labaredas midiáticas que colocaram o modesto conjunto Viveiros no noticiário nacional.

 Nobreza

Também pouparei o leitor da análise exaustiva do episódio, fixando-me num detalhe: no pronto esclarecimento que Gilmara Santos fez sobre a atuação do médico Molina e a defesa de sua permanência atendendo a comunidade do Viveiros. Seguiu-se, na sequência, um abaixo-assinado da própria comunidade endossando as palavras da mãe.
Aparentemente banal para quem pode pagar por serviços médicos, o gesto de Gilmara Santos demonstra honestidade e preocupação com o bem-estar da comunidade na qual vive. Caso Molina fosse afastado em definitivo, sabe Deus quando apareceria outro médico. E, talvez, esse substituto nem sequer se dispusesse a ouvir com atenção o que os pacientes tem a dizer.
Quem, afoitamente, vociferou contra a presença do médico, deveria procurar a comunidade do Viveiros e ouvir, com humildade, o que a população tem a dizer. Com esse tipo de diálogo, certamente se desenvolveria uma maior sensibilidade sobre as necessidades das pessoas. A partir dessa percepção mais aguçada, se poderiam propor políticas que, de fato, resolvam os problemas das incontáveis comunidades carentes da Feira de Santana. No mais, o resto é demagogia...

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