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Bahia se redime depois de sete anos



 
Salvador amanheceu diferente no sábado passado, dia 13 de novembro de 2010. A diferença não estava nos imensos flocos de nuvens brancas que cobriam a cidade e escondiam o céu azul típico das primaveras com cor de verão, como ocorre todos os anos na Bahia. A diferença também não estava no trânsito que fluía calmo no final de semana prolongado, nem na tranqüilidade anormal nas calçadas da Baixa dos Sapateiros, nem no Pelourinho sem turistas no início da manhã ou na praça Castro Alves sem a agitação habitual.

Parece paradoxal, mas a primeira capital do Brasil, mais vazia, amanheceu inexplicavelmente ansiosa. O clima mostrava a expectativa pelo fim do dia, apesar do céu e apesar do mar. Ainda nas primeiras horas da manhã a ansiedade era extravasada com a repetição infindável do hino oficial do Esporte Clube Bahia, interpretado pelas mais diversas vozes das mais imprevisíveis maneiras.

Pelas ruas legiões moviam-se ostentando, orgulhosas, o azul, o vermelho e o branco. Na avenida Sete de Setembro os camelôs vendiam tricoloridos gorros, camisas, imensas bandeiras. “Está por R$ 35. No Pituaçu custa R$ 50”, informou um torcedor, desejoso por comprar uma nova bandeira. A primeira – explicou – perdeu no estádio, depois de um jogo e de muitas cervejas.

Bastava uma espichada no olhar para enxergar pelo menos um torcedor com a camisa tricolor ali pela junção da Castro Alves com a ladeira de São Bento, com as ruas Chile e Carlos Gomes, com a ladeira da Montanha que fica mais escondida. A sucessão de torcedores do Bahia, no entanto, não se esgotava ali: espalhavam-se por toda a cidade, aos milhares, possivelmente às centenas de milhares pelo estado.

Espetáculo

O infinito suceder do azul, do vermelho e do branco ousou tornar acessório até mesmo o espetáculo do verde-esmeralda pinçado pelo azul brilhante da Baía de Todos os Santos que o verde da ilha de Itaparica, ao fundo, emoldurava ao meio-dia.

Com a tarde se tornou mais intensa a repetição do hino tricolor tocado com estridência e os grupos de torcedores que bebericavam cerveja e debatiam animadamente os detalhes do jogo das 20 horas contra a Portuguesa no Pituaçu. Alguns, movidos pelo álcool e pela ansiedade, enrolavam-se nas bandeiras. Nos bairros residenciais o tom cinza dos prédios cedia espaço para mais bandeiras penduradas em janelas.

Numa calçada uma menina de uns dois anos agitava-se, tentando traduzir em palavras o sentimento que as camisas de um grupo de torcedores despertava. “É o Bahia, papai”, explicou o pai, orgulhoso daquela paixão precoce.

Festa

Quando a bola rolou um foguetório digno do São João estrondou pelas ruas da Bahia. Depois, um silêncio tenso, moderadamente rompido com os dois gols do primeiro tempo. Céticos, os tricolores pareciam não acreditar que os sete anos de purgatório longe da elite do futebol nacional se findavam. A pressão da Portuguesa no início do segundo tempo aprofundou o silêncio momentâneo.

O terceiro gol, no final do jogo, surpreendeu muitos torcedores que já se dedicavam à queima de fogos. Depois sobreveio o delírio. O hino repetindo-se, infindável, em alto-falantes potentes. Palavrões. Gritos. Choro. As buzinas incessantes que rasgaram toda a inquieta madrugada de domingo.

Nem o carnaval é capaz de provocar essa catarse coletiva na Bahia. Tampouco as procissões religiosas do verão, como a Lavagem do Bonfim. Misto de crença e alegria, fé e euforia, a paixão pelo tricolor da Boa Terra beira o imponderável. Nas comemorações pelo retorno do Bahia à Série A do Campeonato Brasileiro ficou evidente a força que o futebol e a paixão por um clube exercem sobre um povo.

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