Nas últimas três décadas, desde que a antiga feira-livre foi transferida do centro da cidade para o Centro de Abastecimento, muito se falou e se escreveu sobre os impactos que a remoção dos feirantes e camelôs provocou na cultura e no comércio da Feira de Santana. À época, artistas, intelectuais e jornalistas se manifestaram contra a medida vendida pela prefeitura como um passo em direção ao progresso. Alegavam, com razão, que a decisão matava parte da cultura feirense, forjada em milhares de feiras semanais que atraíam incontáveis viajantes para o mercadejar frenético.
Os anos passaram, os protestos foram abafados pela decisão intransigente da prefeitura, mas o inconsciente do feirense aos poucos foi trazendo de volta a feira-livre adormecida para o centro da cidade. Não suspendeu o trânsito, ocupando ruas e avenidas, ganhou novas nuanças, mas retornou, ainda que sutil.
Primeiro os vendedores de roupas e outros produtos ocuparam a rua Recife, que liga a Conselheiro Franco ao Centro de Abastecimento, através de uma ladeira íngreme. Depois comerciantes de bolsas, mochilas e acessórios instalaram-se na praça Bernardino Bahia. Isso ainda na primeira metade dos anos 1980.
Os vendedores de frutas, verduras e legumes também foram reocupando aos poucos o centro da cidade: primeiro com seus carrinhos de mão, depois com balaios improvisados e, por fim, com bancas de madeira. Aqui e ali comerciantes protestavam, o “rapa” agia com truculência, mas a marcha era inevitável, embora silenciosa.
Crise e “Feiraguai”
O desemprego crescente, a estagnação econômica e a abertura comercial do início dos anos 1990 impulsionaram de vez a retomada das ruas do centro. Camelôs espalharam-se com produtos eletrônicos, misturando-se às mercadorias tradicionais e, desde então, o que os governantes fazem é tomar medidas paliativas que, eficazes num primeiro momento, são incapazes de conter os fluxos incessantes de novos camelôs e feirantes no médio prazo.
O “Feiraguai”, por exemplo, surgiu para acomodar os vendedores de produtos importados do Paraguai na praça Presidente Médici. A feira-livre numa transversal da Marechal Deodoro e uma outra, na praça Bernardino Bahia, abrigam parte dos feirantes. Já a Sales Barbosa tornou-se um infindável camelódromo, com barracas padronizadas pela própria prefeitura vendendo inúmeros produtos.
Pelo visto, o feirense não se opõe: afinal, a disponibilidade de incontáveis produtos facilita a vida de quem transita pelo centro comercial e não tem tempo para deslocar-se até o Centro de Abastecimento ou não dispõe de grandes opções nos bairros. É, portanto, prático e cômodo, como argumentavam, há 30 anos, os consumidores contrários à remoção da feira-livre.
Nova feira-livre?
Nas ruas do centro da cidade pode se encontrar de tudo: desde os tradicionais cds e dvds pirateados, celulares, máquinas fotográficas ou outros aparelhos digitais até prosaicas ratoeiras, o “chumbinho” proibido para matar ratos, ou lanternas, sombrinhas, roupas, calçados, lanches e refeições. Há também serviços disponíveis: amolam-se tesouras, fazem-se chaves, colam-se sapatos e também se consertam sombrinhas e guarda-chuvas para as trovoadas do verão ou para a chuva miúda do inverno.
Essa verdadeira feira-livre, que ressurge com vigor e vai se expandindo com mais força com a retomada do crescimento econômico pelo Brasil, sintetiza bem o espírito mercantil da Feira de Santana e a força de muitos que aqui chegaram em busca de oportunidades.
Em 1977, quando o Centro de Abastecimento foi finalmente inaugurado – o planejamento da obra começou em 1967 – parecia que o centro da cidade estava fadado ao passo silencioso e à discrição dos consumidores mais "chiques". Passadas três décadas, o improvável aconteceu e as ruas da Feira de Santana voltaram a fervilhar.
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