Pular para o conteúdo principal

Notícias da Feira de Santana nos anos 30 (III)

Afirma o senso comum que o povo brasileiro não tem memória. No que se refere à conservação de informações estatísticas importantes sobre a História Brasileira, este raciocínio se confirma, principalmente em relação às cidades. Feira de Santana, infelizmente, não foge a esta regra e as referências às décadas passadas, quase sempre, são relegadas à memória dos que as viveram. A década de 1930 (particularmente o intervalo entre 1931 e 1937) em parte constitui uma louvável exceção. Nela começou a se construir uma estatística com informações econômicas e sociais sobre a Bahia e seus municípios.
Estes dados constam no Anuário Estatístico da Bahia publicado então. Através da leitura e da comparação, o leitor poderá acompanhar como evoluiu a Feira de Santana, que em contínua transformação, embora lenta, começava a ganhar as feições sob as quais a conhecemos hoje.


A Feira de Santana em 1933

Pela primeira vez desde a Revolução de 1930 foram divulgadas informações referentes aos eleitores feirenses. Isto já em 1933. A 12ª Zona Eleitoral abrigava 2.600 eleitores da cidade, mais 707 da vizinha São Gonçalo dos Campos. Eram poucos votantes para uma população que saltara de 77.600 habitantes em 1920 para 104.187 treze anos depois, mas refletia uma época em que analfabetos não votavam e o voto feminino sofria restrições. Os distritos permaneciam os mesmos (a atual Angüera, Santa Bárbara e Tanquinho pertenciam ao município) e a Justiça ainda não acumulava processos nas estantes: 75 casos foram julgados ao longo do ano, com 51 cíveis, três criminais e 21 “de outra natureza”.
Poucos estudantes concluíam o ano letivo: dos 1.771 matriculados de ambos os sexos, somente 1.050 compareceram até o final do ano. Entre estes, as mulheres eram maioria: 601 contra 449. Havia 33 escolas: 23 mistas, cinco femininas e outras cinco masculinas, cinco escolas a mais que dois anos antes. O único estabelecimento de nível médio (ou “vocacional”, como se chamava naqueles tempos) era a Escola Normal, com maioria feminina: 106 mulheres e somente 17 homens.
Houve pouco progresso no que se refere à iluminação pública: somente 376 imóveis eram contemplados pelas 446 lamparinas disponibilizadas pela empresa particular que ofertava o serviço em troca de 58 contos de réis anuais. Não havia nenhuma ambulância, embora houvesse carros de boi (12), carroças (sete) e até dois ônibus, integrando uma frota de 30 veículos.

Estradas

Circular nestes veículos pelas estradas da região não era fácil. A melhor rodovia era a que ligava a cidade à capital (144km de estrada de primeira qualidade, segundo a avaliação oficial). Havia outras: Feira-Candeal (62km), Feira-Almas (38 km), Feira-Cachoeira (47 km) e Feira-Irará (54 km). Estas estradas eram classificadas pelo Departamento de Estradas de Rodagem como de terceira classe (quando havia pavimentação) ou apenas carroçáveis. Estava em construção uma estrada para Riachão do Jacuípe, com extensão estimada em 96 quilômetros.
363 comerciantes foram “premiados” com o pagamento do imposto de indústria e profissão. Este tributo era calculado com base no valor do “gyro commercial”, conforme a grafia dos anos 30. Estimou-se o capital de giro destes comerciantes em 4.476:000$000. Parte destes recursos financiou os gastos municipais, que permaneceram equilibrados: arrecadou-se 280:769$618 e se gastou 279:977$127.
O setor pecuário registrou os seguintes valores: 7.800 bois foram abatidos e o preço médio do quilo baixou em relação aos anos anteriores: 1$000 (contra 1$200); a carne dos 1.960 suínos abatidos custou em média 1$200, o dos 2.400 ovinos ficou em torno de 1$000 (também com redução de 200 réis) e 496 caprinos foram abatidos e tiveram o quilo da carne vendido a 1$000 em média (chegou a custar 1$400 nos anos anteriores). Era o tempo em que a pecuária firmava a fama da cidade. A indústria praticamente inexistia: cerca de 40 pequenos estabelecimentos, quase todos meros fabricos que empregavam trabalhadores manuais e usavam carvão vegetal como fonte de energia...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express