Pular para o conteúdo principal

Jogo alimenta sonhos no Centro de Abastecimento

Tem sido difícil para o brasileiro pobre segurar o rojão da crise econômica que se arrasta desde meados de 2014. Números oficiais indicam que há quase 13 milhões de desempregados Brasil afora; outros tantos milhões se desdobram com menos dinheiro, porque os salários caíram; e sabe Deus quantos, que se achavam na informalidade, viram seus rendimentos caírem com a debandada de antigos clientes. Quadro funesto, comparável àquele que os brasileiros viveram entre os anos 1980 e o início do século XXI.
Recorrer a outras formas de sobrevivência se tornou fundamental para conseguir ir atravessando os duros tempos atuais. Há quem saia vendendo biscoito, bolo, salgados, refeição, roupa, perfumes, cosméticos. A clientela potencial espalha-se pelas ruas, pelas empresas, pelas repartições públicas, pela própria vizinhança. Mas a competição é muito dura: muitos recorrem às mesmas estratégias. É difícil se consolidar.
Prestar serviço também virou recurso corriqueiro. Cresceu o número de pedreiros, encanadores, diaristas, biscateiros, montadores de móveis, cabeleireiros, eletricistas, jardineiros, desentupidores de esgoto e por aí vai. Por um lado, a concorrência cresceu; por outro lado, caiu a demanda por esses serviços, já que, com grana curta, muitos improvisam e outros retardam os consertos não essenciais.
Aqui na Feira de Santana o cenário é bem este. Basta observar o povo apressado, aqui e ali, “correndo atrás do real”, conforme se diz pelas ruas. No município, perderam-se 14 mil empregos formais desde meados de 2014. É muita coisa. Mas o brasileiro tem uma impressionante capacidade de improvisar, de tentar novas estratégias.

A esperança no jogo

Quem circula pelo Centro de Abastecimento não deixa de se impressionar com a variedade de jogos que são oferecidos aos frequentadores do entreposto. Há o jogo do bicho regular, com seus apontadores, sua banca, sua máquina e sua clientela fiel. Ali o movimento é constante, sobretudo quando os resultados são anunciados.
As loterias oficiais também atraem antigos – e novos – vendedores. Às vésperas e nas datas dos sorteios eles são mais frequentes, anunciando milhares altamente atrativos para quem deseja mudar de sorte. Os mais experientes apontam até felizardos que compraram bilhetes vendidos por eles. Entre um gole de cerveja e uma garfada, o cliente examina o bilhete, ruminando se tem boas chances de ficar milionário.
Mais rústica é a rifa. Não faltam mulheres circulando com jogos de copos, perfumes, xampus ou outras mercadorias, ofertando a cartela tentadora, desgastada pelo uso. Muitos se conhecem e marmanjos escolhem, atentos, o nome de uma dama para tentar a sorte. Sempre há na família alguém que ficaria feliz com o mimo.

Sorte Grande

São corriqueiros os comentários sobre os resultados; um jogou num milhar sorteado no dia seguinte; outro, por um número, errou o milhar da placa do carro do cunhado e perdeu; há o mais afortunado, que ganhou alguns reais numa centena qualquer. E há as exaltadas tentativas de interpretações de sonhos que podem render premiação. Não falta quem se queixe da própria adivinhação equivocada.
Nesses tempos de crise econômica avassaladora e de seca implacável, esses pequenos expedientes rendem, para quem se dedica ao ofício do jogo, trocados indispensáveis para seguir sobrevivendo. E alimentam o sonho de muitos que perseveram na esperança de dias melhores, a partir do acesso a um bilhete premiado.
A possibilidade de ficar milionário repentinamente, numa aposta qualquer, alimenta o sonho de muita gente em diversas sociedades. Nesses tempos duros, se tornou mais comum no Brasil. Lá adiante, quando a crise arrefecer – caso também surjam oportunidades para os mais pobres – a mão de obra mobilizada para a função deve declinar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Placas de inauguração contam parte da História do MAP

  Aprendi que a História pode ser contada sob diversas perspectivas. Uma delas, particularmente, desperta minha atenção. É a da Administração Pública. Mais ainda: a dos prédios públicos – sejam eles quais forem – espalhados por aí, Brasil afora. As placas de inauguração, de reinauguração, comemorativas – enfim, todas elas – ajudam a entender os vaivéns dos governos e do próprio País. Sempre que as vejo, me aproximo, leio-as, conectando-me com fragmentos da História, – oficial, vá lá – mas ricos em detalhes para quem busca visualizar em perspectiva. Na manhã do sábado passado caíram chuvas intermitentes sobre a Feira de Santana. Circulando pelo centro da cidade, resolvi esperar a garoa se dispersar no Mercado de Arte Popular, o MAP. Muita gente fazia o mesmo. Lá havia os cheiros habituais – da maniçoba e do sarapatel, dos livros e cordeis, do couro das sandálias e apetrechos sertanejos – mas o que me chamou a atenção, naquele dia, foram quatro placas. Três delas solenes, bem antig...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...