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Sombras se insinuam sobre a democracia brasileira

               
               
                Quem observa de fora não tem como não julgar que o governo Dilma Rousseff (PT) aproxima-se do seu epílogo. A debacle econômica, a paralisia política e as severas contestações de natureza ética emparedaram o governo ainda em 2014, logo depois de confirmada a renovação do mandato da presidente. À distância, parece que a acirrada disputa política exauriu por completo o petismo, incapaz de reagir às agruras que se seguiram, sobretudo a partir do início do segundo mandato, em janeiro de 2015.
                Por outro lado, uma oposição sistemática – em alguns casos, até hidrófoba – vem inviabilizando quaisquer tentativas de reação, mesmo as mais tímidas. Parece claro que, diante desse impasse, governo nenhum consegue constituir uma agenda mínima, por mais modesta que seja. É o que está acontecendo há pelo menos uns quinze meses, desde meados de 2014, nos dias que sucederam a fatídica eleição.
                Quem conhece um mínimo de História sabe que crises do gênero – sobretudo quando quiproquós políticos e econômicos se entrelaçam – costumam desembestar em regimes autoritários, mesmo que encobertos sob o manto da democracia aparente. É o que, pelo visto, se desenha para o Brasil no horizonte. Até aqui, inclusive, com dramáticas semelhanças com o que aconteceu em 1964.
                Justamente para preservar a democracia é que processos de impeachment, como o que se anuncia, devem ser bem fundamentados. A insatisfação difusa de eleitores contrariados é legítima e compreensível, mas, por si só, não é suficiente para justificar a deposição, pelo menos até que surjam provas irrefutáveis de culpa. É o que potencialmente se desenha com a enxurrada de delações mas, por enquanto, avolumam-se apenas evidências.
                O pior é que, como opção ao impeachment em si, sinaliza-se com a alternativa lateral do “semiparlamentarismo”, forjado a partir da visão “republicana” do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Lembra, e muito, a solução encontrada em 1961 que restringiu os poderes de João Goulart e retardou o golpe militar por cerca de três anos. Trocando em miúdos, na prática, um golpe.

                Encruzilhada política

         Estamos, portanto, à frente de uma encruzilhada política: sustentação da democracia duramente conquistada nos anos 1980 ou retrocesso autoritário? Eis o dilema que apenas os mais lúcidos – e experientes – têm apontado. Fustigar a democracia para constranger adversários políticos é perigoso: uma exceção aqui viabiliza outras exceções ali que, lá adiante, costumam se traduzir em regimes ditatoriais.
                É claro que, em um ano e pouco, Dilma Rousseff tocou um governo abaixo do sofrível. Associar recessão profunda com inflação em patamares inquietantes é uma proeza ímpar, rara combinação da incompetência com inépcia. Todavia, isoladamente, isso não confere a ninguém o direito de suprimir um governo eleito pela maioria dos brasileiros. É necessário aguardar evidências sólidas das apurações da operação Lava Jato em curso.
                No Brasil, vivemos poucos intervalos democráticos ao longo do período republicano, iniciado no bem distante 1889. Quando enveredamos pelas soluções que tangenciam a democracia, sabemos bem a que conduzem os regimes de exceção. Apesar das insatisfações profundas com o governo em curso – que vergasta muitos, mas sobretudo os mais pobres – o momento exige serenidade, pelo bem da democracia e das liberdades individuais.

                Muitos dos que anseiam pela deposição imediata de Dilma Rousseff talvez não tenham percebido, mas as alternativas que se colocam estão mergulhadas no mesmo lodaçal da corrupção. Alguns, inclusive, figuram nas mesmas delações que chamuscam os petistas, embora permaneçam pouco badalados pela imprensa. É um sinal que a mera deposição da presidente petista e do petismo não resolverá o crônico problema da corrupção no País. Esta, a propósito, antecede o PT no poder, embora determinadas figuras deste partido tenham se dedicado a aprimorá-la, com raros requinte e sofisticação...

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