Pular para o conteúdo principal

O preço da farinha pela “hora da morte”



               
           
Produto tradicional na dieta do sertanejo, a farinha está com preços indigestos no Centro de Abastecimento da Feira de Santana: praticamente ninguém encontra o alimento por menos de R$ 4 e, em alguns casos, passa dos R$ 6,50. Também não há essa fartura toda: os incontáveis sacos que se sucedem no galpão de cereais, com opções multicoloridas e de diversas granulações, estão mais escassos. Os consumidores mais exigentes, aqueles com paladar mais refinado, sofrem diante das escolhas mais limitadas.
                Quando a oferta de farinha local declina, é comum importar o produto dos estados do Sul do Brasil, a exemplo do Paraná. A farinha transportada em longas viagens rodoviárias, no entanto, envelhece e perde parte do paladar e do cheiro característicos. Torna-se, então, a “farinha fria” que não empolga quando combinada ao feijão.
                Outros produtos também estão mais escassos no Centro de Abastecimento: há menos feijão, a variedade de hortaliças se reduziu, as frutas estão menos vistosas e até a prosaica castanha de caju, torrada, é vendida em quantidade menor e, provavelmente, vai comprometer o preparo dos pratos típicos da Semana Santa.
                A escassez de farinha, porém, é mais emblemática. Afinal, o produto foi – e, em alguns casos, ainda é – a base da alimentação de milhões de nordestinos, sobretudo os residentes na porção semiárida da região. E a mandioca, matéria-prima para a produção da farinha, é amplamente cultivada em boa parte dos municípios do Nordeste. A redução da sua produção, portanto, afeta a autoestima do sertanejo.
                Seca
                Na Feira de Santana também se produz mandioca: 67,1 mil toneladas foram colhidas em 2011, numa área plantada de 6,1 mil hectares. O valor da produção ultrapassou os R$ 13 milhões. Boa parte dessa lavoura destina-se à produção da farinha, nas tradicionais casas de farinha nos distritos e pequenas comunidades da zona rural. Na vizinha São Gonçalo dos Campos, a produção também é expressiva e a farinha possui qualidade afamada.
                A oferta de farinha declinou em função da seca que assola a região há pelo menos dois anos. Os prejudicados não são apenas os consumidores que contam com variedade menor: as principais vítimas da estiagem são os produtores, principalmente os agricultores familiares, cuja renda decai em períodos de estiagem.
                Em função da seca, o comércio da Feira de Santana perdeu parte do dinamismo nos últimos meses. Sem o lucro incerto da safra, os produtores dos municípios vizinhos visitam menos a cidade e compram pouco. Embora importante, o recurso garantido dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, não tem como assegurar expansão nas vendas sempre.
                Ações
                Nas longas estiagens é comum se distribuir cestas básicas, água em carros-pipa e, eventualmente, repassar pequenas quantias para quem perdeu a safra, a título de seguro. Essas iniciativas somam-se às políticas de transferência de renda que impedem os saques promovidos por multidões famintas, as migrações massivas e até mesmo mortes por falta de alimento ou água, como acontecia no passado nem tão distante.
                Ninguém questiona a relevância dessas medidas, eficazes em momentos de urgência. O problema é que, quando caem as primeiras chuvas, esquece-se o essencial, que é discutir e implementar políticas que tornem os sertanejos menos dependentes dessas iniciativas. Medidas estruturantes e de mais longo prazo – mais trabalhosas e menos populistas – fazem pouco sucesso entre a classe política, mas são indispensáveis.
                A zona rural não é só agricultura: atividades produtivas complementares podem ser estimuladas e representar uma importante complementação de renda para as famílias mais pobres. Isso, no entanto, depende da boa vontade dos governantes que, quase sempre, sentem urticária ante a possibilidade da população do campo reduzir sua dependência em relação a eles...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da