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O Malecón é uma extensa avenida que corta
a orla de Havana. É muito larga e o trânsito é bastante inferior àquilo que se
poderia imaginar. Do trecho onde fica o Hotel Nacional e o Porto de Havana
faz-se uma extensa, mas agradável, caminhada. O mar, no final do inverno,
amanhece sempre azul-esverdeado, num tom escuro. Uma extensa e larga mureta
separa a calçada das rochas escuras pelo limo e, sobretudo, do mar que avança voraz
nos momentos de maré alta.
Em alguns
trechos da orla as ondas esbarram, furiosas, contra a mureta e invadem a
calçada e até mesmo o asfalto da avenida. Á distância o espetáculo é
fascinante: o mar recua com um som abafado, formando a onda que ganha corpo e
depois avança, num ruído crescente, sobre as rochas e sobre a amurada; uma
espuma grossa e parda se forma, alcançando dois ou três metros, brilhando à luz
do sol; depois reflui, para formar uma nova onda que tentará a mesma façanha.
De perto, o
espetáculo incomoda: o vapor de água fria e salgada borrifa os passantes e
atinge os automóveis antigos que trafegam pelo Malecón. Quando as ondas são mais fortes, a força dos respingos no
rosto dá a sensação de minúsculas e curtas chicotadas. Ainda assim, é
fascinante ver a cor da água mudando infinitamente, regida pelo sol tímido.
Contrastando
com a orgia de luzes, cores e formas do mar estão os antigos casarões do outro
lado do Malecón. O porto de Havana
foi um dos principais das Américas durante a colonização espanhola, devido à
sua localização estratégica para fins militares ou comerciais.
Essa condição
modelou muito da arquitetura da Habana
Vieja e do Malecón: casarões de
dois ou três andares se sucedem, com suas múltiplas portas e detalhes
caprichados. Lembram as antigas casas de comércio ainda existentes em Salvador,
no Recife e nas cidades mais antigas. Sob o silêncio devassado apenas pelas
ondas do mar, imagina-se o frenesi dos tempos de efervescência mercantil, que
se foram.
As fachadas
sem cor e mal-conservadas, até certo ponto monótonas, contrastam com o mar que
brinda os passantes com espetáculos multicoloridos. Ainda assim, esses casarões
emanam uma poesia profunda que o silêncio amplifica. A lembrança de que são
testemunhas inertes de histórias que correm o mundo inspiram no visitante um
respeito solene.
Os casarões
voltam-se para o mar que vai pra Europa e que trouxe as expectativas,
angústias, sonhos e ambições de tantos migrantes. Os sentimentos desses
visitantes que chegavam se entranham nessas fachadas antigas, tornando-as mais
singulares do que, na verdade, são.
As fachadas do
Malecón parecem arder sob os olhares
ansiosos de cinco séculos.
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