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Águas de março e mudanças climáticas

 

As águas de março caem, fechando o verão. Nem sempre é assim: às vezes, o sol em março é abrasador, as chuvas minguam. Hoje à tarde desabou um aguaceiro rijo sobre a Feira de Santana, digno daqueles que alarmam Salvador nesta mesma época. Por alguns minutos, envolta na cortina d’água, a Princesa do Sertão se diluiu sob o céu cinza, profanando a tarde de sábado. Mesmo com o estio as poças resistiram, refletindo as luzes dos postes no começo da noite.

Para quem planta, os aguaceiros trazem bons presságios, perspectivas de invernos chuvosos, prenhes de fartura. Tem sido assim nos últimos anos. Neste ano, porém, a chuva chegou até antes do esperado, tornando dispensáveis rezas, rogos e preces a São José, cuja data se comemora em 19 de março. No rural feirense já se cavouca a terra, a expectativa é de colheita do milho pelo São João.

Benfazejas no campo, as chuvas costumam trazer aporrinhações na zona urbana. Por aqui não há morros nem encostas, a Feira de Santana é uma cidade plana e, pelo menos desta tragédia, os feirenses estão livres. Mas os alagamentos são frequentes e as queixas se avolumam. Os transtornos alcançam até bairros centrais, áreas nobres. Qualquer chuva mais encorpada precipita o drama.

O noticiário informa que, em Salvador, a prefeitura monitora as mudanças climáticas e busca entender estas alterações no clima e seus impactos sobre a capital. A preocupação é justa: alterações no regime de chuvas ou na temperatura tem potencial de afetar todas as dimensões da vida no longo prazo. Caso o clima mude é necessário adaptar-se, ajustar-se à nova realidade. A isto se chama planejamento.

Regimes chuvosos mais rigorosos – ou o contrário – mudam não só a rotina nas áreas de risco, mas toda a dinâmica urbana, com impactos inclusive sobre atividades econômicas, como o comércio, os serviços e o turismo, este último tão importante na capital. Especialistas preveem mudanças rápidas. É necessário, portanto, conhecer esta nova realidade e até antecipar-se a ela.

A prefeitura mantém um site e as informações são públicas e podem ser acessadas no endereço eletrônico http://paineldemudancadoclima.salvador.ba.gov.br/. Temas como gestão das águas, sustentabilidade, resiliência urbana e mobilidade urbana figuram na abordagem.

Imagino que, aqui na Feira de Santana, por enquanto não exista nenhuma iniciativa do gênero. Mas, lá adiante, com certeza será indispensável. As chuvas que caem nos últimos anos se tornarão constantes? O calor abrasador que tanto aporrinha o feirense vai aumentar? Quais os impactos destas mudanças na vida da cidade? Como se preparar para esses novos tempos? São muitas as questões carecendo de respostas.

Sei que, por aí, não faltam negacionistas, há até quem acredite que a terra é plana. Talvez, lá adiante, os brasileiros – e os feirenses – desvencilhem-se da brutal estupidez que acossa o País e possam dedicar-se aos seus problemas reais, a exemplo das mudanças climáticas. Os efeitos delas, a propósito, já são visíveis, alertam cientistas.

Mas é melhor parar por aqui, porque afinal hoje é sábado. Mesmo com o céu cinza que segue ameaçando mais chuva.

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