Pular para o conteúdo principal

Crônicas temerárias (I)

            Quando flertava com a manobra traiçoeira que apeou Dilma Rousseff do poder, Michel Temer (PMDB) proclamou que conduziria um governo de “salvação nacional”. E anunciou, solene, que montaria um ministério de “notáveis” para conduzir essa sagrada missão. Como todos sabem, os notáveis ficaram pelo caminho, atropelados pelos políticos profissionais que alcançaram o balcão – essa imortal instituição nacional – em desabalada carreira. Os “notáveis” figuraram como piada um par de dias mas, depois, foram esquecidos.
            Há quem enxergue no temerário ministério um magote de nulidades, pouco qualificados em questões gerenciais; outros adotam uma perspectiva ética: figuram no olimpo temerário figuras altamente suspeitas de envolvimento com corrupção, inclusive nos mesmos escândalos que serviram para escorraçar os petistas, embora isso a chamada grande mídia não repise.
Passados quase cinco meses do controverso mandato, porém, uma outra característica avulta do famigerado ministério: a língua solta. Nesses quase 150 dias, diversos boquirrotos soltaram indiscrições que colocaram muitos brasileiros de orelha em pé, receosos em relação ao futuro próximo. Caso essas divagações se concretizem, embarcaremos num inusitado retorno ao século XIX, na melhor das hipóteses.
O ministro da saúde cogitou menos direitos para os usuários do Sistema Único de Saúde; o do trabalho especula a legalização de jornadas diárias de trabalho com até 12 horas de duração; outro não vê problema na manobra escandalosa que pretende perdoar os adeptos do caixa 2; o titular da Justiça insinua, com fanfarronice, a iminência de operações policiais supostamente sigilosas. E por aí vai, numa anarquia digna dos estertores da gestão Dilma Rousseff.
Em todos esses episódios, o condottiere da “salvação nacional” pouca coisa fez além do tradicional beicinho, que invariavelmente emoldura suas fotografias, largamente utilizadas na festiva cobertura da imprensa. Agora, sai-se com o anúncio de que vai escalar um porta-voz para falar em nome do governo. É coisa de quem insiste em ver estrelas em meio a uma tempestade de meteoros.

O brasileiro médio, aquele que acompanha o noticiário pacificamente da sala de sua casa, torce para estar errado, mas intui que o Brasil segue sem rumo. Isso apesar de toda a retórica do liberalismo caipira que se pretende implementar por aqui...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

Placas de inauguração contam parte da História do MAP

  Aprendi que a História pode ser contada sob diversas perspectivas. Uma delas, particularmente, desperta minha atenção. É a da Administração Pública. Mais ainda: a dos prédios públicos – sejam eles quais forem – espalhados por aí, Brasil afora. As placas de inauguração, de reinauguração, comemorativas – enfim, todas elas – ajudam a entender os vaivéns dos governos e do próprio País. Sempre que as vejo, me aproximo, leio-as, conectando-me com fragmentos da História, – oficial, vá lá – mas ricos em detalhes para quem busca visualizar em perspectiva. Na manhã do sábado passado caíram chuvas intermitentes sobre a Feira de Santana. Circulando pelo centro da cidade, resolvi esperar a garoa se dispersar no Mercado de Arte Popular, o MAP. Muita gente fazia o mesmo. Lá havia os cheiros habituais – da maniçoba e do sarapatel, dos livros e cordeis, do couro das sandálias e apetrechos sertanejos – mas o que me chamou a atenção, naquele dia, foram quatro placas. Três delas solenes, bem antig...