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Governo Temer vai conseguir “desinventar” a roda

                
                

                Michel Temer (PMDB) mal completou um mês como presidente interino, mas, do jeito que vai, o Brasil vai acabar realizando a proeza de “desinventar” a roda durante a sua gestão. É espantoso o retrocesso que se desenha para o País – que, evidentemente, nunca foi grande referência civilizatória – nesses primeiros dias do polêmico mandato. Os sinais mais inquietantes são os próprios “notáveis” recrutados para promover a festejada “Salvação Nacional” e a agenda política que essa gente traz no bocapio. É coisa de encantar nossos coroneis da primeira metade do século passado.
                O problema, crônico, começa nas biografias pouco recomendáveis: figurando no ministério, pululam investigados na Lava Jato e em outros escândalos de corrupção. Exatamente o que aqueles que foram às ruas em março asseguraram repudiar. Questões polêmicas e temas delicados foram repassados para gente com trajetória, no mínimo, controversa, como se verificou na agência do futebol e na secretaria das mulheres.
                Isso para não mencionar o instrumento que definiu a distribuição do butim: o balcão, essa imortal instituição nacional que faz a alegria de uns poucos, em detrimento dos interesses de quase todos. O que era, a propósito, veementemente condenado nas ensandecidas manifestações antipetistas, mas que, logo depois, foi esquecido, embora a prática venha ganhando impulso redobrado nos últimos dias.
                 Delegar o galinheiro às raposas ou o alambique aos biriteiros, porém, ganhou ares de normalidade nos últimos dias. É o que se constata acompanhando o noticiário. O que na gestão petista era o ápice da degeneração da política, tornou-se, subitamente, imperativo da governabilidade. E tome ar estoico de apresentador de tevê, enquanto o cidadão pacato engulha em casa.
                E, por enquanto, o País perplexo testemunha as preliminares. Nos próximos dias – caso o noticiário sobre as escabrosas escutas arrefeça um pouco – a pacoteira de maldades deve ser remetida para a apreciação das excelências do Congresso Nacional. Para aprova-lo, aposta-se na doçura do baixo clero, mimoseado à farta na queima de estoque do balcão fisiológico.
               
                Trabalhadores
               
                Conforme a premonição apontava, quem deve pagar por aqueles patos amarelos distribuídos à farta são os trabalhadores e a turma da base da pirâmide social. Isso apesar de todas as solenes declarações contrárias. Aposentadoria aos 65 anos, terceirização ampla, geral e irrestrita e arrocho salarial – sobretudo nos funcionalismo público – estão entre os remédios amargos que serão ministrados apenas ao povão.
                Isso, no entanto, é o de menos: a história do País é prenhe em episódios do gênero. Problema mesmo é a agenda que pretende remeter os brasileiros da República Velha à Idade Média. Coisa de constranger os compatriotas mais esclarecidos que viajam ao exterior. Para ficar em dois exemplos: as restrições à educação em sala de aula – querem regular o conteúdo exposto pelos professores – e, até mesmo, censurar o conteúdo da internet, para que não se fale mal dos políticos.
                Nesses primeiros dias já emergiu até um dos símbolos dessa nova era: o polêmico ator pornô que, alçado à condição de teórico da educação, esteve em Brasília apresentando suas ideias de redenção nacional. No primeiro momento pareceu piada, mas, depois, a confirmação do episódio reforçou a sensação que estamos retrocedendo, céleres, para as cavernas.
                Abertamente orientado pelo clientelismo, sufocado por suspeitas de corrupção e portador de propostas que, em qualquer país civilizado despertariam apenas repulsa, o governo Michel Temer é uma explicação contundente do porquê um país com tantas riquezas e potencialidades chafurda, há séculos, no chamado subdesenvolvimento.
                Só faltava a pecha de agente do imperialismo ianque sobre o presidente interino para realçar o ar retrô que as mesóclises tanto evocam. Pois não falta mais: segundo documentos vazados do governo norteamericano, ele exerceu a função de leva-e-traz no passado. Sobre isso, tudo o que houve foi o silêncio ensurdecedor da chamada grande mídia...
               

                

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