Miranda é um
país imaginário na América Latina, protótipo da república das bananas que tanto
estigmatizou a região durante décadas. O país fictício figura no filme “O
discreto charme da burguesia”, do espanhol Luís Buñuel e existe para dar vida à
personagem do embaixador que representa o país em Paris. Tosco, mulherengo e
violento, a personagem encarna bem o arquétipo do coronel latino-americano, com
o eterno charuto entre os dedos e o típico jeitão de cafajeste latino. O filme
foi lançado ainda nos anos 1970 mas, no que refere à nação imaginária, é de uma
atualidade desconcertante.
Não falta quem
enxergue o Brasil descolado desse estigma latino-americano: gigantes pela
própria natureza, estaríamos distantes dos ditadores caricatos e chefetes
provincianos que pululam do Caribe aos Andes. O otimismo é exagerado: nos
momentos de tensão, nas curvas da História, esbarramos com velhos hábitos
arraigados, que invocam o mesmo pretérito incômodo.
Paralisado com
a crise política, o País acompanha embasbacado o eterno retorno da nossa
trajetória política. Em linguagem mais prosaica, testemunhamos, perplexos, o
imutável museu de grandes novidades. Não conseguimos inovar, sequer, em termos
simbólicos: temos aí, de volta, a vassoura de Jânio Quadros para varrer a
corrupção e o “mar de lama” evocado por Carlos Lacerda.
É claro que somente
muita ingenuidade ou uma sólida convicção religiosa para se alegar a inexistência
de tenebrosas transações, urdidas no breu das tocas, que resultaram em
prejuízos bilionários aos cofres públicos, no chamado escândalo do Petrolão. Afinal,
provas e evidências vão se avolumando dia-a-dia, sem contestações lá muito
sólidas. É possível até que a própria presidente Dilma Rousseff seja alvejada
lá adiante, pois o que não falta é inquérito e pedido de impeachment.
O problema é
quando se examina os que se perfilam na linha sucessória, intrépidos defensores
da democracia e da lisura. Praticamente todo mundo figura nas mesmas listas
divulgadas pela operação Lava Jato. O próprio presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segundo na linha sucessória, figura com
múltiplas denúncias. Isso para não mencionar o principal interessado, o
vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP) e o presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL).
Lama lacerdista
Nas
trincheiras da oposição, pelo visto, a imortal lama de Carlos Lacerda também
escorre viscosa. Afinal, pouca gente não figura nas listas de felizes
beneficiários das doações de campanha. Quando indagados, recorrem à habitual
pirotecnia verbal: é coisa dos governistas, que tentam comprometer todo mundo.
No fundo, todos sabem, pode não ser bem por aí.
O Brasil é um País
paradoxal: em 1889, monarquistas empedernidos tornaram-se democratas
entusiasmados, mas somente depois que a República se tornou irreversível; em
1964, um golpe de Estado foi aplicado com o propósito de defender a democracia;
nos anos 1990, liberais ortodoxos não dispensavam a generosa ajuda do Estado
para alavancar seus negócios; e, agora, em nome da mesma democracia,
articula-se um impeachment com
fundamentos ainda questionáveis.
Por outro
lado, os que tentam se equilibrar no governo – e se dizem ardorosos defensores
dos trabalhadores e dos mais pobres – mergulharam o País em profunda recessão,
ressuscitaram o drama da inflação e avançam, desassombrados, sobre direitos
arduamente conquistados pelos trabalhadores. É o que demonstra, por exemplo, a
reforma fiscal encaminhada há alguns dias para o Congresso, cujo ônus recairá,
inteiramente, sobre os trabalhadores. Algo paradoxal, sem dúvida, nesse momento
de intensas contradições.
Ninguém sabe
no que vai resultar a lambança em curso. Mas os discursos indicam muitas
pistas: a maioria sinaliza para draconianas revogações de direitos dos
trabalhadores e dos mais pobres e a intolerância, pelo visto, vai seguir em
alta pois, agora, só faltam os cadáveres. É duro constatar mas, no momento, o
futuro do País se desenha muito menos promissor do que já foi no passado...
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