A Semana Santa
é um dos feriados mais valorizados pelo feirense. Em parte, essa importância se
deve às sólidas tradições católicas que, ainda hoje, inspiram parcela
significativa da população local. Mas isso apenas em parte: apesar dos ritos
solenes, do respeito e da reverência à crucificação de Jesus Cristo, o período
tem, também, suas celebrações profanas, sobretudo aquelas relacionadas à ceia,
que é consumida na Sexta-Feira da Paixão, ápice da celebração católica.
Noutros
tempos, o período era revestido de rigor solene: durante toda a Quaresma, às
quartas e sextas-feiras, comia-se apenas peixe; o pescado era obrigatório
também entre a quarta e a sexta-feira santas. Nessa data, a propósito, os
católicos mais engajados praticavam o jejum, como forma de penitência, ante os
sofrimentos impostos a Jesus Cristo. O silêncio era outra característica comum
à Semana Santa.
Com
o passar dos anos, no entanto, as tradições foram se flexibilizando e o jejum
das sextas-feiras foi substituído por uma ceia robusta, que além do peixe
tradicional, é acompanhada do caruru e do vatapá – pratos típicos da culinária
afro-baiana – e de, em casos específicos, generosas doses de vinho. A data, que
antes era objeto de silêncio e reflexão, migrou para uma celebração em torno de
mesa farta.
Assim,
essa mudança de mentalidade se traduz, ao longo da semana, em significativo
afluxo para o Centro de Abastecimento e para as feiras-livres, à procura dos
condimentos necessários para os pratos tradicionais. O peixe, a castanha de
caju, o quiabo, o azeite de dendê e, às vezes, até a cebola e o tomate sobem de
preço, mesmo nas épocas de inflação moderada. Inúmeras reportagens apresentam a
cotação dos preços desses produtos para zelosas donas-de-casa.
Ódio
O
dinheiro mais curto para os preparativos da ceia, os preços mais elevados dos
produtos – que se somam à elevação das demais despesas domésticas – insistem em
trazem para o orçamento familiar a crise econômica – e política – que ocupa o
noticiário no Brasil desde meados de 2014 e que, neste 2016, vão ofuscar as
celebrações católicas pela morte e ressureição de Jesus Cristo.
Os
sentimentos comuns à celebração cristã do período, a propósito, estão em baixa:
nas ruas, na internet e nas redes sociais, nas filas, nas escolas, no trabalho
e nas mesas de bar o que prevalece é o antagonismo temperado pelo ódio. E esse
ódio gravita em torno de uma única questão: o impeachment ou não da presidente Dilma Rousseff (PT), reconduzida
para o cargo, pela via eleitoral, em 2014.
Ao
longo da Quaresma, que noutros tempos era época de temperança, o ódio
efervesceu a temperaturas inéditas no País. Uma camiseta vermelha ou uma
bandeira brasileira são capazes de despertar instintos bárbaros, que provocam
até mesmo o desejo de supressão física do antagonista. Exatamente como ocorria
na primeira metade do século passado e que, pensavam muitos, constituía algo
superado em nossa civilização.
A
mensagem de Jesus Cristo, que permeia o Evangelho, é a do amor ao próximo. No
Brasil de hoje, no entanto, muita gente prefere aferrar-se ao Antigo Testamento
e à sua retórica beligerante que, supostamente, foi superada pelos ensinamentos
cristãos. Na Sexta-Feira Santa, degustando o peixe temperado pelo dendê, entre
um gole e outro de vinho, devíamos perceber que o ódio não é bom conselheiro; e
que aqueles que são movidos por ele jamais conseguiram constituir obra
duradoura.
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