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Os sertões e as vidas secas: até quando?

                
                
                Embora as chuvas tenham caído em razoável quantidade na Feira de Santana no primeiro semestre do ano, contribuindo para encorpar a reserva que socorre o sertanejo nos períodos de estio, os longos meses que se sucederam, de implacável calor e escassas precipitações, vem contribuindo para que essas reservas se esgotem rapidamente. Com isso – e em época de El Niño, como informa a imprensa com reiterada frequência – o fantasma do esgotamento hídrico assombra os moradores da zona rural feirense, que já lidam com perdas significativas na lavoura.
                Seca é fenômeno renitente no semiárido, repetindo-se com implacável regularidade. Isso desde tempos imemoriais. O fenômeno, a propósito, foi documentado pelo colonizador português ainda no século XVI, quando as visitas à Colônia tornaram-se mais regulares e as tentativas de se estabelecer no território recém-descoberto se intensificaram.
                Durante séculos o sertanejo permaneceu esquecido, entre lajedos e espinhos, cercado pela vegetação hostil. Só quando uma grande estiagem assolava a região e a população migrava em busca de alguma perspectiva – ou padecia de fome, o que é pior – é que as excelências, nos gabinetes e nos parlamentos, esgrimiam discursos indignados ou contemporizavam sobre a tragédia, conforme o tráfego circunstancial na oposição ou na situação.
                Em meados dos anos 1950, sob a batuta do economista Celso Furtado, é que se tentou discutir a questão do semiárido e da seca com mais técnica e menos retórica, a partir da criação da Sudene. Depois veio o regime militar e o semiárido voltou ao esquecimento habitual. Nem mesmo o restabelecimento democrático recolocou a região como objeto de políticas específicas de desenvolvimento.

                Futricas palacianas

                Esse descaso sempre se traduz em sufoco para o sertanejo nos prolongados períodos de estiagem. Nos últimos anos, alega-se que as políticas de transferência de renda – a exemplo do Bolsa Família – vem evitando migrações e mortes durante as secas cada vez mais intensas. É verdade, mas convenhamos que ainda é muito pouco: é necessário oferecer perspectivas que se situem além do mero repasse de benefícios sociais.
                Com o El Niño a toda, provocando agruras mais intensas que nos períodos habituais, o País deveria se voltar para debater a questão, buscar soluções, pensar em políticas factíveis que sinalizem para desconforto menor no futuro. Mas a crise política – em larga medida movida a futricas palacianas – monopoliza as atenções, tornando todo o mais secundário, mesmo que esse secundário implique em efeitos nefastos sobre a vida dos cidadãos.
                 Note-se que, em determinadas regiões do Nordeste, a estiagem arrasta-se por longos quatro anos. E que fustiga os sertanejos no mais impróprio dos momentos, justamente quando o Brasil enfrenta – talvez – a mais severa crise econômica de toda a história republicana, que inclusive é rica em turbulências econômicas.

                Guerra sem mocinhos

                O mais desalentador é que a guerra sem mocinhos do impeachment, além de cindir o País, dilui qualquer possibilidade de se tentar pensar os problemas que afligem os brasileiros. O que anda – mal – se deve mais à natureza inercial das atividades do Estado que, propriamente, a quaisquer iniciativas dos governantes. Voltar-se para questão mais complexas, então, só quando se estabelecer um mínimo de normalidade, sabe Deus quando.
                O pior é que, pelo andar da carruagem, a lógica do balcão, do toma-lá-dá-cá, dos acordos espúrios, dos conchavos inconfessáveis, vai sobreviver a mais essa crise. Talvez, quem sabe, até se fortaleça. Pior, portanto, para o Brasil que precisa pensar o seu desenvolvimento com mais planejamento e menos clientelismo.

                Enquanto isso, o sertanejo de Jaguara, de Bonfim de Feira, de São José das Itapororocas e de outros tantos lugarejos rurais sofre com a estiagem que, aos poucos, vai esgotando suas reservas de água, ressecando a lavoura modesta e ameaçando a cria parca que ainda não sucumbiu. Exatamente como acontecia com seus ancestrais, desde que os índios foram escorraçados e o colonizador se instalou pelos sertões inóspitos.

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