Pular para o conteúdo principal

Colapso reforça necessidade da discussão sobre o transporte público

               
                
A profunda crise que aflige o transporte coletivo na Feira de Santana constitui uma oportunidade de ouro para se discutir o sistema no município e, quem sabe, avançar alguns passos em direção ao seu aprimoramento. Ao contrário do que alegaram as empresas, o imbróglio não é fruto de uma ínfima e transitória redução no valor da passagem – de R$ 2,50 para R$ 2,35 –, adotada sob a efervescência das manifestações de junho de 2013. Por outro lado, as empresas não são as únicas responsáveis, já que o sistema vem se deteriorando há vários anos, sob o olhar complacente de sucessivas administrações municipais.
                 No noticiário, promete-se a redenção num intervalo curto: nos próximos meses, 270 ônibus novos – conforme se frisa com ênfase – estarão em circulação, atendendo os feirenses. Isso como resultado da licitação concluída há poucos dias. O detalhe – que não é um mero detalhe – é que a própria licitação não previa uma frota inteira de ônibus “zero quilômetro”, como se alardeia. Ninguém sabe, portanto, se isso não passa de mais uma mera promessa. 
                Para mais adiante, promete-se o festejado Bus Rapid Transit – o polêmico BRT. Embora incontáveis indagações ainda permaneçam no ar, o desmatamento já está em curso na avenida Getúlio Vargas, que vai perder boa parte de sua cobertura vegetal. Alega-se na propaganda oficial que ipês e flamboyants darão lugar ao progresso. É o mesmo discurso usado nos anos 1970, quando a centenária feira-livre foi transferida do centro da cidade para o hoje maltratado Centro de Abastecimento.
                Com base nas informações oficiais, pode-se deduzir que, a partir da conclusão das obras do BRT – cujo traçado, inclusive, ainda é objeto de incontáveis questionamentos – estará concluída a modernização do transporte público na Feira de Santana. Afinal, não se fala em nada mais substancial para os próximos 15 anos, prazo de vigência do contrato de concessão recém-licitado.
                
                 Incremental
           
          As questões urbanas relacionadas à Feira de Santana sempre foram pouco discutidas. Sobretudo em relação ao seu transporte público, que, ao longo de décadas, experimenta mudanças meramente incrementais, desconsiderando as contínuas transformações visíveis na malha urbana. É, portanto, o descolamento entre a realidade da cidade e a estrutura arcaica da oferta de serviços públicos que aprofunda a escassez e a precariedade desses serviços.
                Nos últimos anos, o município sofreu mudanças importantes em sua estrutura urbana. Bairros inteiros surgiram com o boom imobiliário, regiões despovoadas foram ocupadas, novos espaços comerciais e de serviços surgiram e se consolidaram, alterando o perfil da cidade. Esses movimentos exigiriam permanente atenção das autoridades, sobretudo com o uso de instrumentos de planejamento, como o plano diretor, o que acabou não acontecendo.
                Mudanças do gênero impõem, mais do que reforçar, aqui ou ali, uma linha ou outra, estudos mais sistemáticos sobre a mobilidade do feirense. E – quem sabe – até se partir para pensar noutros modais. Mas, como se sabe, nada mudou: no máximo, muda a cor do ônibus, o número da linha, adiciona-se uma rua ou outra à rota, mas a essência permanece inalterada.

                Ir à Uefs, por exemplo, é um martírio. Intermináveis esperas dificultam a vida dos estudantes ou de quem necessita se deslocar até a instituição.  E a situação se estende a quaisquer deslocamentos, sobretudo a partir dos bairros periféricos. Nos finais de semana, a espera pode durar duas horas. Apesar de todas as promessas, nada sinaliza que essa situação vá mudar no médio prazo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express