Pular para o conteúdo principal

A reforma política e as necessidades do planejamento




Tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de lei que tratam da Reforma Política. Lentamente, alguns consensos vão sendo construídos e podem adquirir formato de lei já na próxima legislatura, que se inicia em 2015. Um desses consensos é a realização de eleições gerais, de presidente a vereador, talvez a partir de 2019, com mandatos de cinco anos, sem reeleição para os cargos do Executivo.
Para o planejamento governamental, que anda desacreditado e se tornou pouco usual ao longo das últimas décadas, a proposta é bastante alvissareira. Primeiro porque cinco anos de mandato constitui um intervalo mais adequado para a elaboração e a implementação dos planos plurianuais (PPA). Hoje, esses planos costumam ser elaborados no primeiro ano de mandato. Quem assume, herda o plano do antecessor, no quarto e último ano de vigência e começa a elaborar o seu. Na prática, a vida útil desses planos é de pouco mais de dois anos:  funciona nos dois primeiros, no terceiro é espremido pelo calendário eleitoral e pelo fim do mandato e, no quarto ano, costuma ser desprezado, já com o novo mandatário empossado.
Em segundo lugar, sem eleições no meio dos mandatos, poupam-se energias e esforços que podem ser canalizados para a realização de uma gestão melhor, mais aderente àquilo que foi definido na formulação dos planos e que, em tese, reflete os compromissos de campanha. Afinal, a praxe costuma ser a paralisia no período eleitoral para apoiar partidários, com evidentes prejuízos gerenciais.
E, em terceiro lugar, o fim da reeleição tende a inibir práticas reeleitoreiras que contaminam a administração pública e que costumam atropelar a lógica do planejamento, cuja dinâmica não coincide com o turbilhão eleitoral que hoje se renova a cada dois anos.
A quarta vantagem é que o fim da reeleição representa o primeiro passo para a renovação da atividade política no Brasil, mas que também produz reflexos sobre o planejamento. Os mesmos rostos, com as mesmas ideias, repetindo-se exaustivamente ao longo dos últimos anos, no Brasil, só produziram desencanto entre os jovens e apatia no conjunto do eleitorado, como se vê a cada eleição.
No âmbito do planejamento, a perpetuação política, com sucessivas reconduções, funciona como uma barreira ao surgimento de novas ideias e à visualização das oportunidades e dos novos problemas enfrentados pela sociedade, que se transforma de maneira contínua.
Em outras palavras, pode-se deduzir que o adequado resgate do planejamento no Brasil depende, em parte, dos rumos e do formato que a propalada reforma política vai assumir nos próximos anos. O noticiário continuamente mostra os desafios colocados para o País seguir crescendo e aprofundar a inclusão social de milhões de brasileiros. Sem o fortalecimento e o adequado funcionamento dos instrumentos de planejamento, o Brasil corre o risco de seguir, nas décadas seguintes, sendo retratado, metaforicamente, como o cachorro que insiste em perseguir o próprio rabo...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express