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A farsa sobre a educação em tempo integral



               
      A oferta de educação em tempo integral é um compromisso de campanha dos três principais candidatos ao Governo da Bahia (Lídice da Mata (PSB), Paulo Souto (DEM) e Rui Costa, do PT). Esse compromisso está explicitado nos programas de governo registrados pelos três candidatos no Tribunal Regional Eleitoral, o TRE. A promessa, nos últimos anos, se tornou muito óbvia, quase tão redundante quanto a imaculada honestidade de todos os candidatos ou a certeza de uma gestão eficiente e eficaz.
                O problema é que o compromisso não vai além de uma abstrata generalidade: nenhum dos três estabelece metas ou prazos com a manutenção dos jovens baianos nas escolas nos dois turnos. Alguns dirão que somente lá adiante é que, efetivamente, pode haver clareza maior, inclusive em relação à delicada questão orçamentária. Isso representa meia-verdade.
                A leitura dos documentos permite inferir que existe, no máximo, uma adocicada declaração de intenções. Nada diferente, portanto, dos compromissos assumidos nas eleições anteriores. E, por consequência, nada que assegure que, doravante, haverá de fato maior interesse em manter os estudantes mas pobres em sala de aula em período integral.
                Desde sempre a educação pública no Brasil, em geral, e na Bahia, em particular, é um desastre. Aqui alcança-se as raias da calamidade, já que o estado sempre frequentou a rabeira nacional em relação aos indicadores. E a situação não vai mudar com referências passageiras nos protocolares planos de governo.

                Projeto

                Há quem enxergue, na educação, uma infinidade de questões pulverizadas: professores mal remunerados e mal qualificados, que empregam métodos ultrapassados em instalações precárias para educar jovens expostos a dramas como a pobreza, a violência, a desestruturação familiar e a desmotivação. A solução para essa soma de tragédias, porém, passa por uma constatação simples: na Bahia, não existe um projeto para a educação.
                Em períodos eleitorais reúnem-se meia-dúzia de especialistas com o objetivo de emitir algumas opiniões que, agregadas num texto publicitário atraente, condensam as intenções do candidato para o quadriênio. Mesmo não traduzindo um projeto, se essas intenções saíssem do papel, vá lá. Mas o que se vê é bem diferente.
                Quem vence a eleição se dobra ao imperativo incremental, mesmo que até deseje muda-lo: como há décadas a Educação funciona sob uma determinada lógica, é desejável mantê-la sob a mesma perspectiva. Assim, compra-se a cumplicidade da burocracia e se mantem intactos os interesses políticos e paroquiais interior afora.

                Resultados

                Investir num projeto significaria, sobretudo, estabelecer metas e buscar resultados. Essa aposta é arriscada, já que as estruturas do Estado na Bahia – e no Brasil – quase sempre funcionam à margem de quaisquer critérios de desempenho. Um projeto implicaria em reorientar a lógica dessas organizações, desencastelando antigos interesses e lançando o imprevisível sobre rotinas solidificadas há anos. Não é fácil, obviamente. Mas é fundamental tentar caso se pretenda, de fato, mudar a educação.
                A Educação em tempo integral é componente de uma necessidade mais ampla, mais estrutural, de construção de um projeto para a educação baiana. No embrulho em que é oferecida na propaganda eleitoral, parece mais um modismo, um acessório, um bibelô, desconectada dos imperativos de uma formação que busque, efetivamente, emancipar os jovens baianos e melhorar os indicadores do estado nessa área.
                Da forma como é apresentada pelos candidatos, a Educação em tempo integral não passa de uma inovação gerencial, sem um propósito específico. Exatamente como as coisas funcionam desde sempre. Torço para que, mais adiante, ainda ao longo da campanha eleitoral, surjam os detalhes necessários que me levarão, com prazer, a fazer um mea culpa aqui, nesse mesmo espaço...

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