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As mudanças nos hábitos alimentares I





Exatamente no dia 30 de julho de 1882, na Feira de Santana, o “Restaurant Commercial”, que funcionava nas dependências do extinto Hotel do Globo, promoveu uma “mesa redonda com vinho”, ao custo de dois mil-réis para os eventuais interessados. O convite, em forma de anúncio, foi publicado na página 4 do jornal “O Progresso”, que à época circulava no município. Anúncio anterior, em “O Motor”, de 30 de junho de 1877, indicava ampla variedade de vinhos, incluindo “Figueira, Porto e Xerez”, no mesmo estabelecimento.
  No dia 11 de setembro de 1882 o “Restaurant Commercial” foi ampliado, conforme novo anúncio n’O Progresso. Para convencer a potencial clientela, o proprietário, Monteiro Júnior, anunciava que estava à disposição “completo sortimento de bebidas, doces e um cozinheiro habilitado”. Também garantia-se “aceio e commodidades para bem servir”, conforme a grafia da época.
Uma análise dos periódicos daqueles anos, relançados em formato de livro pela Fundação Senhor dos Passos, mostra que somente o “Restaurant Commercial” investia em publicidade nos jornais. Era, certamente, dos poucos estabelecimentos do gênero em funcionamento na cidade, cujos limites à época mal alcançavam o atual centro comercial.   
A Feira de Santana levou mais de cem anos para experimentar um impulso significativo no ramo de restaurantes. Até meados dos anos 1980 esses estabelecimentos eram raros: comer fora constituía hábito de poucos feirenses, que no geral reservavam apenas os dias mais especiais para esse ritual. A grande maioria fazia as refeições em casa.

Fatores

Em pouco mais de duas décadas a cultura mudou dramaticamente. Diversos fatores, entrelaçados, contribuíram para essas transformações. Um deles, muito óbvio, é que o crescimento econômico da última década e o aumento no valor dos salários assegurou a folga financeira que permite maior frequência aos restaurantes, sobretudo àqueles com preços mais em conta.
O trânsito complicado também desencoraja aqueles que preferem a refeição em casa. Os congestionamentos retardam os deslocamentos de quem anda em veículo próprio e o impontual e incerto transporte coletivo desestimula muitos trabalhadores que comem pelo centro da cidade e se poupam de penosas viagens.
Há, também, um terceiro fator: jornadas integrais de estudo e trabalho – sobretudo das mulheres – absorvem o tempo necessário para preparar alimentos em casa. Assim, come-se mais pela rua. Há, aqui, uma inversão curiosa: antes, os finais de semana eram reservados para os almoços fora de casa. Hoje, acontece o inverso e o almoço do domingo em casa é o que congrega a família.

Variedade

A mudança de hábitos, porém, não seria possível se não fosse um outro fenômeno: os restaurantes no centro da Feira de Santana experimentaram extraordinária diversificação de opções, qualidade e preços. Refeições simples em ambientes despojados podem custar R$ 5 ou R$ 6. Basta ao freguês disposição para procurá-las.
Há, também, variedade impressionante: além da tradicional carne assada que chia nas grelhas, com feijão tropeiro, encontram-se massas, pratos típicos da culinária baiana, comida oriental e uma infinidade de frituras, sanduíches ou pizzas. Banners coloridos, panfletos, convites aos berros dos garçons ou o odor inconfundível da cozinha constituem as estratégias usuais de propaganda.
Ao longo das vias principais do centro da cidade, os restaurantes se sucedem, alguns deles praticamente vizinhos. É aí que se travam as batalhas mais intensas pela freguesia que, em muitas situações, é cativa: um aceno ou um cumprimento mostram a familiaridade. Sem dúvida, uma mudança radical nos hábitos alimentares dos feirenses...

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