Uma das mais célebres frases do filósofo alemão Karl Marx diz que os fatos na história acontecem na primeira vez como tragédia e, na segunda, como farsa. Ele se referia ao golpe de Estado que levou Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão Bonaparte, ao poder na França no distante ano de 1848. Na Feira de Santana, a farsa do aumento das passagens de ônibus acontece todo ano, repetindo a tragédia que a inflação galopante tornou rotina há algumas décadas. A farsa, aqui, sempre ganha algum tempero de originalidade, fazendo jus à alegada criatividade inata do brasileiro.
Esse ano, por exemplo, o reajuste não aconteceu durante as festas de final de ano, nem durante a Micareta, quando os feirenses estão em viagem ou militando na folia momesca. Também não houve, por enquanto, jogo de empurra, com o prefeito e o Conselho Municipal de Transporte (CMT) responsabilizando-se mutuamente pelo reajuste, como ocorreu aí há uns dois anos.
O golpe agora foi ainda mais baixo. Na pauta do Conselho Municipal de Transportes, a discussão sobre o reajuste ocorreu exatamente no item “o que ocorrer”. Até o monumento da Praça do Vaqueiro sabe o quanto o CMT é inoperante e que só se reúne para aprovar o reajuste proposto pelo sindicato das empresas de ônibus. Logo, incluir a aprovação no “que ocorrer” é fazer chacota com os feirenses.
O que permanece guardado a sete chaves é a planilha que supostamente justifica a proposta anual de reajuste. Mais misteriosa que papiro em pirâmide do Antigo Egito, a planilha aos poucos vai se tornando desafio para algum arqueólogo que se aventure pela Feira de Santana daqui a alguns milhares de anos. Se é que existe de fato, pois até o momento possui a mesma consistência do “Bicho do Tomba”.
Jogo de Cena
Outra farsa que os péssimos atores desempenham muito mal é o jogo de cena que coloca o prefeito – seja ele quem for – na condição de benemérito preocupado com o bolso do feirense. O conselho sempre aprova um reajuste patético (este ano, de R$ 2,37) e, num gesto de supremo desprendimento, o prefeito solenemente concede aumento menor (fala-se em R$ 2,30 para 2011).
Há quem alegue que os reajustes são naturais e inevitáveis, em função da inflação. O detalhe – que não é um detalhe, mas a principal variável da equação – é que a tarifa cobrada é absolutamente incompatível com a qualidade do serviço prestado. Isso para não entrar no mérito de se buscar entender porque tanto mistério cerca um debate que deveria ser claro e transparente como os antigos olhos d’água da Feira de Sant’Anna.
Nos finais de semana os feirenses mofam nos pontos esperando ônibus que raramente passam. Apesar da propalada renovação da frota – com direito a propaganda oficial – os veículos são, em sua maioria, velhos, sujos e quebram com freqüência, causando transtornos para os passageiros. Quem quiser constatar a situação só precisa ir até o Terminal Central e observar.
Feira no futuro
Os que se preocupam com o futuro da Feira de Santana deveriam tentar repensar o sistema de transporte público do município. Bem ou mal, Salvador nos próximos anos vai ganhar metrô e um novo sistema de transportes para a Copa do Mundo de 2014. Na Feira de Santana, não se pronuncia uma palavra sobre o tema. Sinal que os governantes entendem que tudo está maravilhoso. E basta entrar num desses ônibus para perceber que não está.
O que se repete anualmente e deve ser elogiada é a indignação de alguns segmentos da população, principalmente o estudantil. Não se trata, é claro, da representação estudantil oficial que tem assento no CMT e que, bovinamente, acata sem pestanejar as ordens do sindicato patronal das empresas de ônibus.
Refiro-me aos estudantes que andam de ônibus, que convivem com os feirenses que residem nos bairros periféricos e que conhecem as dificuldades de quem nem sempre tem disponíveis prováveis R$ 2,30 para andar em veículos em péssimas condições de conservação. Resta a esses continuar lutando, porque sem luta não há esperança...
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