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Incertezas da Micareta na semana do Carnaval

As incertezas que cercam a Micareta de Feira de Santana deveriam provocar reflexão dos responsáveis pela organização e dos feirenses de forma geral. Faltando pouco mais de 50 dias para o evento, ainda não se sabe quais atrações vão participar da festa, a licitação para a montagem da infraestrutura vai acontecer somente em meados de março depois de sofrer adiamento e até mesmo a escolha da marca para 2011 mergulhou em uma lambança que parece não ter fim.
Para quem observa de fora, fica a imagem de que a outrora gloriosa primeira Micareta do Brasil – isso décadas atrás – é um evento de qualidade duvidosa tocado por estrutura bastante amadora. Não é de hoje que se fala no declínio da maior folia feirense e na necessidade de se promover modificações. Em 2011, no entanto, as coisas parecem piores do que em anos anteriores, já que as notícias ruins não param de se suceder.
Sem rodeios, alguns artistas alegam problemas de agenda ou baixo retorno financeiro para não se apresentar. Colocam a folia feirense como mais uma entre tantas Brasil afora, o que não deixa de ser verdade. A organização da festa se limita ao cumprimento de ritos burocráticos idênticos ao do ano passado, que são semelhantes aos do ano anterior e por aí vai. Não há discussão nem inovação em nenhum nível.
A última mudança significativa na Micareta ocorreu há exatos 11 anos, quando o circuito migrou da avenida Getúlio Vargas – onde a ausência de espaço já era mais do que sensível – para a avenida Presidente Dutra. De lá pra cá, sempre o mesmo discurso da “primeira Micareta do Brasil” e mais nada de novo no front.

Discursos

Quando a Micareta chegar, mesmo com todos os tropeços, o discurso para consumo vai ser o da “grande participação popular” ou que a “população feirense está de parabéns pela promoção da festa”, além de outros clichês menos badalados. Depois se esquecem os erros e as baterias se voltam para 2012.
Como 2012 é ano de eleição, o esmero com a realização da festa vai ser maior, embora provavelmente não existam mudanças, porque mudança em ano eleitoral é mais arriscada, conforme o já desgastado, mas recorrente, cálculo político. Em 2013 arruma-se ou se rearruma a casa e quaisquer mudanças ficam para 2014, que é ano de Copa, o que vai inibir maiores mudanças. Restam, pois, esperanças de que em 2015 alguma coisa mude. E isso se mudar.
O fato, porém, é que a Micareta (que deriva do Carnaval) não pertence à prefeitura, que tem apenas a incumbência de organizá-la. Como manifestação cultural genuína e espontânea da população, cabe a esta dar rumo ao evento, mudá-lo, expressar-se através dele. À boa gestão municipal deveria caber a organização e não a apropriação da festa, como se verifica há muito tempo.

Iniciativas

Já passou da hora de se rediscutir a Micareta da Feira de Santana. Os problemas visíveis em 2011 deveriam trazer a importante lição de que, sozinhos, os governantes não podem dar conta da complexidade que é o evento. E para revitalizá-lo deveriam discutir com quem faz e move a folia, através dos segmentos representativos.
Nos últimos anos se fala em mudança de data, de local do circuito, de incorporação e valorização de outras manifestações culturais, de novas formas de gestão. O espírito conservador sempre posterga essas discussões, às vezes sob a alegação de que “não dá certo” ou de que “é inútil”. O que há de fato é sempre o temor de se perder o controle político da situação.
Pioneira na organização da Micareta, a Feira de Santana talvez esteja perdendo a oportunidade de inovar, já que outros municípios em breve poderão fazê-lo. Isso deve – ou deveria – ser discutido para além das idiossincrasias políticas, das vaidades pessoais ou dos interesses nem sempre confessáveis. Tomara que os mais preocupados estejam errados e que a Micareta não seja inferior às dos anos anteriores e que se tenha, no mínimo, mais do mesmo...

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