Pular para o conteúdo principal

A Feira nos trilhos do desenvolvimento


           

            A Feira de Santana esteve entre os municípios brasileiros mais beneficiados com as mudanças no modal de transportes na primeira metade do século XX. Mais ou menos por volta de 1930 as mudanças começaram a acontecer: as ferrovias deixaram de ser o principal meio de transporte no país e as rodovias viveram uma vertiginosa multiplicação, impulsionadas pela nascente indústria automobilística que implicava em investimentos mais baixos em infra-estrutura (ferrovias são mais caras que rodovias), mais agilidade e maior capilaridade pelos imensos espaços do Brasil.
A expansão das rodovias reconfigurou a malha viária da Bahia, incorporando novos centros urbanos (como a Feira de Santana e Vitória da Conquista, por exemplo) e acabou prejudicando municípios que até então eram núcleos econômicos pujantes e que, coadjuvantes do sistema rodoviário, perderam importância relativa.
O novo mapa viário da Bahia, obviamente, se refletiu em uma nova configuração econômica: a Feira de Santana consolidou-se de vez como febril centro urbano e cidades históricas perderam importância, como Cachoeira, São Félix e – principalmente – Santo Amaro, no Recôncavo Baiano.
Note-se que a Feira de Santana foi o primeiro município que se inseriu no circuito produtivo baiano sem contar com o modal aquaviário: Salvador, as cidades no entorno do Recôncavo e Ilhéus têm saída pelo mar e Juazeiro e Barra têm o São Francisco como alternativa de navegação. Situar-se no “nó modal” entre o litoral e o sertão beneficiou amplamente o município.

Reconfiguração?

As transformações nas sociedades, porém, são incessantes. No âmbito do transporte também ocorrem, embora de forma mais lenta. Nos dias atuais, por exemplo, o Brasil (e a Bahia) estão vivendo mudanças significativas com o resgate do modal ferroviário e os esforços de ligação transcontinental.
Está nesse contexto a ferrovia Oeste-Leste, já em construção, cujo projeto pode promover a ligação entre o Atlântico e o Pacífico, estendendo-se pelo Brasil em direção ao Oeste e ligando o país ao Peru. O objetivo imediato, porém, é facilitar o escoamento dos grãos e do minério produzidos na Bahia por Ilhéus, que além da ferrovia vai ganhar um novo porto e outro aeroporto.
A obra, sem dúvida, vai colaborar para a revitalização econômica de Ilhéus, combalida pela incessante crise do cacau e impulsionar a economia de municípios do Oeste (Barreiras) e do Sudoeste (Guanambi e Caetité, por exemplo). É certa, portanto, uma nova reconfiguração da economia baiana a partir da conclusão da ferrovia.

Inserção

Os investimentos em ferrovias, porém, não devem parar por aí, embora as demais obras possuam envergadura bem menor. É o caso da construção de ramais ferroviários no Recôncavo, que devem se interligar às ferrovias já existentes mas pouco utilizadas, contribuindo para dinamizar as economias desses municípios.
A Feira de Santana, por sua vez, não pode perder os trilhos do desenvolvimento num momento tão relevante para a economia brasileira (e baiana). É necessário, portanto, esforço para que o município se insira no circuito ferroviário, promovendo sinergia com o sistema rodoviário já existente. Esse esforço implica em mobilização política, discussão e apresentação de projetos claros.
Pelo seu porte, é claro que a Feira de Santana não vai minguar ou definhar no médio prazo. A sustentação de sua importância relativa no longo prazo, todavia, depende de opções políticas que precisam ser tomadas no presente. Eximir-se da discussão sobre alternativas logísticas significa condenar o município à perda de importância relativa.
As transformações em curso, no entanto, vão além do debate sobre a ferrovia Oeste-Leste. É o que pretendemos abordar na próxima semana.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express