Pular para o conteúdo principal

A Igreja Senhor dos Passos restaurada



Semana passada, depois de restaurada, a Igreja Senhor dos Passos foi entregue à comunidade católica durante os festejos natalinos. Não há dúvida que o templo figura entre as principais belezas da Feira de Santana, principalmente porque as belezas arquitetônicas do município estão aos poucos desaparecendo, engolidas pela especulação imobiliária ou pela insensibilidade cultural. Quem visita a cidade pela primeira vez ou passa ocasionalmente pela avenida – e até mesmo quem reside por aqui – com certeza se encanta com a beleza da igreja cuja arquitetura destoa de tudo aquilo que habitualmente se vê na Bahia.

Herdeiros dos padrões estéticos portugueses, acabamos seduzidos pelo que foge ao barroco que, mesmo belo, é quase sufocante nas ladeiras de Salvador e de boa parte do Recôncavo. Apesar de obra relativamente recente – a finalização ocorreu apenas em 1979, embora a construção tenha sido iniciada no distante ano de 1921 – a igreja possui importância inegável para a vida da cidade.

Talvez o que o templo da avenida Senhor dos Passos tenha de mais atraente seja o profundo contraste proporcionado pela fachada imponente, escura e sóbria, e as vivas cores que cobrem o céu, sobretudo no verão. Nesses dias de infinitos crepúsculos, o vermelho que tinge a orla do horizonte ganha fôlego, estendendo-se, ousando avançar sobre o pedaço de céu que cobre a igreja.

Nesses momentos o frenesi urbano da Feira de Santana arrefece porque há menos transeuntes apressados e porque o chilrear incessante dos pássaros traz uma vaga lembrança da cidade interiorana que não existe mais. Infinitos porque são profundos, esses momentos duram uns poucos segundos só e, lá adiante, as luzes elétricas se impõem junto com os faróis dos carros e a Feira de Santana mergulha na noite intranquila dos grandes centros urbanos.


Prosperidade


A Igreja Senhor dos Passos começou a ser erguida num dos mais prósperos momentos da história feirense. Pelo menos em relação à expansão urbana que o município experimentou nas primeiras décadas do século XX, quando evoluiu da condição de feira de gado para atingir o status de maior cidade do interior da Bahia e um dos mais importantes centros comerciais do interior do Brasil.

Do outro lado da avenida foi construído – sendo finalizado em 1926 – o prédio da Prefeitura Municipal e ali, quase em frente à igreja, outra imponente edificação que hoje é sede do Arquivo Municipal: o extinto colégio João Florêncio. Confirmando o bom momento vivido pela Feira de Santana, foram erguidas pelo menos mais duas construções marcantes: a Escola Normal – que hoje abriga o Centro Universitário de Cultura e Arte – na rua Conselheiro Franco e o colégio Maria Quitéria, este último na atual praça Froes da Mota.

Todas essas construções apresentam duas felizes coincidências: sobreviveram às décadas de descaso, de abandono e de especulação imobiliária, sendo conservadas até hoje. E foram iniciadas ou concluídas em meados dos anos 1920, além de permanecerem como lembrança viva da Feira de Santana que crescia, contrastando com a chata e impessoal arquitetura do centro comercial.

 
Patrimônio


No rol das más notícias que envolvem os prédios antigos do município – quase sempre demolidos para a construção de estacionamentos rotativos, supermercados ou lojas de departamento – a restauração da Igreja Senhor dos Passos é uma notícia alvissareira que deve ser comemorada.

Infelizmente, o desinteresse dos proprietários e o descaso do poder público condenaram dezenas de imóveis da Feira de Santana à ruína e ao esquecimento. Isso contribuiu para tornar o centro da cidade chato e desinteressante, com suas lojas com portas metálicas, arquitetura funcional e fins estritamente comerciais.

O certo, todavia, é que ainda vale uma caminhada no final da tarde ali pelas imediações da Igreja Senhor dos Passos. Ouvem-se os pássaros em algazarra, aprecia-se a orla rubra do céu e nota-se a paz que aos poucos recai sobre os espíritos apaziguados pelo final de mais uma jornada diária.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express