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Violência sem fim

O número de homicídios registrados em Feira de Santana em 2009 é de estarrecer. Conforme dados divulgados por diversos órgãos de imprensa, quase trezentas e cinquenta pessoas – 342 – foram assassinadas em 12 meses. Esse número supera com folga 2008 – com 295 homicídios –, que por sua vez ultrapassou facilmente 2007, quando houve 235 assassinatos. A macabra espiral ascendente, no entanto, não termina aí: 192 homicídios ocorreram em 2006 e outros 141 no ano anterior.

Se não estivessem em jogo vidas humanas, os governantes até poderiam buscar um alento estatístico para esses números: o percentual de crescimento vem caindo desde 2005, quando se toma como referência o ano anterior. Entre 2005 e 2006 o salto foi de 36,1%. Na comparação entre 2006 e 2007 houve redução percentual: 22,3%. Entre 2007 e 2008 ligeira alta – 25,5% - para uma redução um pouco maior no aumento – 15,9% - entre 2008 e 2009. O problema é que o número absoluto não para de crescer.

Num otimismo precipitado poderia se argumentar que a taxa tende a se estabilizar nos próximos anos. O jogo estatístico, no entanto, encobre uma verdade dolorosa: a estabilização pode se dar num número muito elevado e centenas de feirenses continuarão sendo assassinados todos os anos.

Desde 2005, por exemplo, o número de óbitos por homicídio ultrapassa os 1.200. Significa dizer que pelo menos 1 entre 600 feirenses foi assassinado no período, isso considerando os dados demográficos de forma mais otimista, já que há pouco tempo o município alcançou a marca dos 600 mil habitantes.

Explicações

Em tudo isso, o mais patético é que até agora não surgiu uma única explicação convincente. Expansão do tráfico de drogas? Proliferação de armas de fogo? Inoperância da polícia ou dos gestores da segurança pública? Crença na impunidade porque a justiça é vacilante na hora da manter criminosos atrás das grades? Nenhuma dessas hipóteses é totalmente convincente, porque todas permanecem apenas como hipóteses.

O passo inicial para conhecer o problema e começar a resolvê-lo é descobrir quem está morrendo e porque está morrendo. Com relação a isso existe um discurso genérico – jovem, negro, da periferia, etc –, uma solução também genérica – mais saúde, educação, emprego e renda, etc – e intenções igualmente genéricas de se resolver o problema.

Um passo mais difícil é descobrir quem está matando. Com tantos homicídios, não se sabe se é traficante que mata consumidor inadimplente – como se justifica tantas vezes -, se é justiceiro que mata ladrão, ladrão que mata ladrão, justiceiro que mata traficante ou uma infinidade de outras combinações. Vira e mexe, morrem cidadãos que não se enquadram nas categorias acima, mas os crimes resvalam para a mesma impunidade.

Inteligência

A violência nesse início de século na Bahia assumiu proporções maiores e ganhou contornos diferentes aos quais o Estado não consegue reagir. O crime se organizou nas penitenciárias, uma epidemia de crack está em andamento na Bahia há pelo menos uma década, os assassinatos tornaram-se banais e o Estado não consegue agir de maneira compatível com essa nova realidade.

Uns mais bárbaros acham que a solução está apenas em mais polícia na rua, com mais armas e mais balas, com o Estado dando continuidade oficial ao morticínio que acontece informalmente. Outros, mais cristãos, advogam somente mais escolas e mais hospitais. É provável que, como tudo na vida, a solução esteja na média entre os dois extremos.

Para a polícia parece estar reservado o papel de se reestruturar, agindo com mais inteligência e menos força. Só assim a droga que alimenta a violência na periferia, por exemplo, poderá ser apreendida na fonte, entre os grandes barões do tráfico, contendo a mortandade que constitui um dos principais problemas da Feira de Santana nos últimos anos.

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