Pular para o conteúdo principal

Transferência de renda e eleições presidenciais



Desde que os programas de transferência de renda no Brasil foram unificados no Bolsa Família, em 2003, e os recursos repassados às famílias mais pobres deixaram de ser meramente simbólicos e ganharam alguma musculatura que o tema retorna ao noticiário com bastante frequência. Até 2006 dizia-se que o programa não passava de uma medida assistencialista com o propósito de render votos para o presidente candidato à reeleição, Luís Inácio Lula da Silva.

O programa sofreu pesadas críticas de praticamente todos os postulantes ao Palácio do Planalto naquele ano – do PSDB e do ex-PFL até legendas que abrigavam ex-petistas, como o PDT e o PSOL –, o que acabou se transformando numa estratégia suicida. Como sempre deslocados da realidade, os candidatos esqueceram de perguntar aos brasileiros se concordavam ou não com a existência dos programas de transferência de renda.

Muito tarde descobriram que os brasileiros, majoritariamente, apóiam a iniciativa. Daí, já na reta final da campanha, surgiu um festival de desmentidos e de pretensos “pais” do combate à pobreza no Brasil, balbuciando promessas de continuidade do programa, se fossem eleitos.

A partir de então, publicamente, ninguém é contra o Bolsa Família entre os políticos. Ninguém acha mais que o povo é malandro, que gosta de viver às custas do Estado e que gasta o benefício com cachaça (ou outras drogas), como se dizia sobre os escravos no Brasil Colônia. Até os coroneis do Nordeste, em nome da sobrevivência política, mudaram o discurso.


Situação


Se tivessem compromisso com transformações sociais, buscariam explicações para tantas famílias dependendo de programas de transferência de renda. E descobririam a persistência de indicadores sociais vexatórios, que impedem as pessoas de ter acesso aos frutos do crescimento econômico, mesmo que esse ocorra. Os impedimentos estão na baixa escolaridade, na pouca qualificação profissional, na saúde frágil por falta de saneamento e na ausência de políticas públicas específicas para os mais pobres.

Em Feira de Santana, por exemplo, há cerca de 74 mil famílias pobres, conforme estimativa da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 2006. São cerca de 296 mil pessoas – ou metade dos 584 mil residentes no município – que não têm satisfeitas suas necessidades mais básicas, inclusive de alimentação.

Oferecer melhores condições de vida à metade da população de Feira de Santana é um desafio que, no momento, não pode abdicar de programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Esse é apenas o primeiro passo – e o mais fácil – na longa trajetória de redução das desigualdades sociais.


Beneficiários


Por critérios eletivos, somente 44,7 mil famílias tinham acesso ao benefício – que varia de R$ 22 a R$ 232 – em novembro de 2009 no município. Pelo critério adotado na elaboração do programa, esses beneficiários correspondem justamente aos grupos da população mais expostos à fome e à insegurança alimentar.

Em 2010 acontecerá novas eleições presidenciais. O que pensam os candidatos acerca dos programas de transferência de renda? Há quem fale, na imprensa, na necessidade de “focar” melhor o programa. Esse “foco” melhor é eufemismo para reduzir à força o número de beneficiários nos próximos anos. Trocando em miúdos, significa ampliar o número de famílias expostas à fome.

Junto com os ganhos reais no reajuste do salário-mínimo, é o Bolsa Família o principal responsável pela redução das desigualdades sociais no Brasil nos últimos anos, assim como o acesso mais democrático à educação. “Ajustes”, “focalizações”, “aprimoramentos” ou “melhorias” não passam de eufemismos que, nos próximos anos, podem frear os avanços registrados na distribuição de renda no país.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada fei...

Patrimônio Cultural de Feira de Santana I

A Sede da Prefeitura Municipal A história do prédio da Prefeitura Municipal de Feira de Santana começou há 129 anos, em 1880. Naquela oportunidade, a Câmara Municipal adquiriu o imóvel para sediar o Executivo, que não dispunha de instalações adequadas. Hoje talvez cause estranheza a iniciativa partir do Legislativo, mas é que naqueles anos os vereadores acumulavam o papel reservado aos atuais prefeitos. Em 1906 o município crescia e o prédio de então já não atendia às necessidades do Executivo. Foi, então, adquirido um outro imóvel utilizado como anexo da prefeitura. Passaram-se 14 anos e veio a iniciativa de se construir um prédio único e que abrigasse com comodidade a administração municipal. Após a autorização da construção da nova sede em 1920, o intendente Bernardino Bahia lançou a pedra fundamental em 1921. O engenheiro Acciolly Ferreira da Silva assumiu a responsabilidade técnica. No início do século XX Feira de Santana experimentou uma robusta expansão urbana. Além do prédio da...

Placas de inauguração contam parte da História do MAP

  Aprendi que a História pode ser contada sob diversas perspectivas. Uma delas, particularmente, desperta minha atenção. É a da Administração Pública. Mais ainda: a dos prédios públicos – sejam eles quais forem – espalhados por aí, Brasil afora. As placas de inauguração, de reinauguração, comemorativas – enfim, todas elas – ajudam a entender os vaivéns dos governos e do próprio País. Sempre que as vejo, me aproximo, leio-as, conectando-me com fragmentos da História, – oficial, vá lá – mas ricos em detalhes para quem busca visualizar em perspectiva. Na manhã do sábado passado caíram chuvas intermitentes sobre a Feira de Santana. Circulando pelo centro da cidade, resolvi esperar a garoa se dispersar no Mercado de Arte Popular, o MAP. Muita gente fazia o mesmo. Lá havia os cheiros habituais – da maniçoba e do sarapatel, dos livros e cordeis, do couro das sandálias e apetrechos sertanejos – mas o que me chamou a atenção, naquele dia, foram quatro placas. Três delas solenes, bem antig...