Pular para o conteúdo principal

A nova-velha novela das tarifas de ônibus

Nem bem começou 2010 e os baianos já sentem no bolso os efeitos de mais um aumento no valor das passagens. Em Salvador, o prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) concedeu um reajuste que foi anunciado na véspera de entrar em vigor, surpreendendo a população. Curiosamente o anúncio ocorreu um dia depois da Lavagem do Bonfim. Provavelmente o calendário foi ajustado para que o prefeito não fosse vaiado durante a maior festa religiosa da Bahia, como ocorreu ano passado. Evitou as vaias, mas não conseguiu impedir os protestos estudantis que se seguiram.

As surpresas desagradáveis, no entanto, não param por aí. Os ônibus que fazem as linhas da região metropolitana também tiveram as tarifas reajustadas, nivelando-se por cima com o valor de R$ 2,30 cobrado na capital. Para completar, o governo estadual também elevou os preços das passagens dos ônibus intermunicipais.

Em ano eleitoral antecipam-se ao máximo os reajustes para que a população esqueça até outubro, quando acontecem as eleições. Como o salário-mínimo também foi reajustado – com antecipação para janeiro – une-se o útil ao agradável, já que o peso sobre o bolso do cidadão se dilui um pouco.

Com todos esses reajustes surpreende que em Feira de Santana ainda não se fale no assunto, embora tradicionalmente aqui estes sejam concedidos às vésperas de feriados prolongados, como ocorreu na Micareta do ano passado ou durante o recesso de final de ano, anteriormente.

Propostas

Se acontecesse, seria extremamente agradável saber que os feirenses passarão mais um ano pagando o mesmo valor, já caro, para utilizar a velha frota que circula pela cidade. No entanto, é difícil o reajuste não acontecer, seguindo o mesmo script dos anos anteriores, principalmente no Conselho Municipal de Transportes (CMT).

Lá o sindicato das empresas propõe um aumento risível, bastante fora da realidade feirense. Mas o que acaba valendo é o aumento proposto pela prefeitura, razoavelmente menor que o “desejado” pelas empresas. O valor que prevalece invariavelmente é muito próximo do que vigora em Salvador. Muito cordato, o CMT aprova o reajuste sem contestação.

Nessa novela repetida à exaustão todos os anos – raramente com alguma alteração – o final só não é feliz para os usuários dos velhos ônibus, que arcam com o resultado de toda essa encenação.

Planilha

Como toda novela, o ritual de aumento da passagem também tem os seus mistérios. O maior deles é a planilha que justifica os aumentos, mas cujo teor é totalmente desconhecido dos mortais comuns, que pagam a passagem. Sabe-se apenas que, na hora de justificar o injustificável, se recorre ao item que subiu mais: pneu, combustível, salário dos empregados, gratuidades concedidas e por aí vai.

Ano passado, porém, houve fatos novos: manifestantes cercaram o carro do prefeito, o aumento foi autorizado durante a Micareta e houve um estranhíssimo episódio divulgado pela imprensa em que prefeito e CMT não se entendiam sobre quem era o responsável pela decisão.

A lição a se extrair, porém, é que nada mudou ao longo do ano: a passagem é uma das mais caras do Brasil, a frota é uma das mais antigas e mal-conservadas, as empresas mandam e desmandam e, após algumas reclamações, o feirense se acomoda e paga sem maiores contestações. Escaldados, estudantes e trabalhadores que se mobilizaram em 2009 já deveriam estar se preparando para a nova-velha novela que se anuncia. Quem sabe não conseguem mudar alguma coisa no enredo...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express