Pular para o conteúdo principal

A tragédia no Haiti



Pobre e esquecido, o Haiti só começou a freqüentar o noticiário no Brasil depois que contingentes do Exército foram deslocados para aquele país em 2004, para assumir o comando de uma suposta força de paz da Organização das Nações Unidas. Durante muito tempo, somente as reportagens com familiares de soldados em missão traziam aos brasileiros referências ao Haiti. Depois houve uma comentada partida de futebol entre as seleções dos dois países.

Semana passada o Haiti voltou ao noticiário de forma trágica, através do terrível terremoto que arrasou o país e expôs, mais uma vez, as profundas chagas sociais que afligem a população. Cumprindo o script de sempre, lideranças políticas do mundo inteiro vieram a público prometendo uma ajuda que aos poucos será esquecida.

Brasil e Haiti guardam semelhanças em relação às suas histórias. Se o plantio da cana-de-açúcar para produzir açúcar começou por aqui, ainda no século XVI, foi lá que o monopólio brasileiro foi quebrado, através de investimentos de holandeses que espalharam pelo país incontáveis canaviais.

Assim como aqui, no Haiti o colonizador branco achou que a utilização da mão-de-obra escrava, negra e importada da África, era o melhor arranjo para materializar a exploração econômica da Colônia. E, até o século XVIII, o Haiti foi uma nação próspera para os franceses, que a obtiveram dos espanhóis através de um dos diversos acordos imperiais ocorridos na América Central.


Libertação


Em 1804, depois de conflitos que se estenderam por anos, os 500 mil negros e mestiços asseguraram a libertação do país das mãos dos 30 mil brancos que viviam no Haiti. De imediato, franceses, espanhóis e ingleses preocuparam-se com a possibilidade de que o exemplo haitiano se estendesse às demais colônias da América Central. A principal preocupação era com Cuba, pela proximidade geográfica e pela prosperidade econômica alcançada pelos colonizadores e pela maciça presença de escravos negros.

Ao longo da semana o noticiário enfatizou o aspecto de que o Haiti, desde a libertação, nunca conseguiu se consolidar como nação e estabelecer uma rotina democrática. Parte da explicação está no fato de que esta chance jamais foi concedida pelos antigos colonizadores sempre dispostos a interferir na política local.

Com o transcorrer das décadas o país permaneceu mergulhado em conflitos internos e enfrentou catástrofes naturais, como terremotos, furacões e inundações. Tudo isso contribuiu para tornar o pequeno país caribenho o mais pobre do Ocidente, com baixíssimos indicadores de desenvolvimento.


Ajuda


Hoje as imagens de um país que entrou em colapso com o terremoto e cuja população dorme ao relento porque não tem onde se abrigar causam tristeza e incitam à reflexão. A migração forçada de milhões de escravos, o insano sistema de exploração econômica e a eterna ingerência política dos países centrais ainda não completou sua obra, que séculos atrás chamavam de “civilização”.

Essa redenção civilizatória não está apenas no Haiti, mas se proliferou por toda a América Latina. Temos, no Brasil, e também na Bahia, pedaços do Haiti nos excluídos, negros e mestiços. Parte da herança política legada pelos colonizadores também teima em sobreviver, nos coronéis de terceira categoria – como diriam nossos briosos senadores – que, com bota e rebenque, exibem sorrisos ardilosos na televisão.

O que não temos são os terremotos e furacões que acossam os países do Caribe e sua pobre gente. Resta-nos agradecer a dádiva, enquanto se reza e se torce pelos haitianos. E esperar que pelo menos uma fração das riquezas mobilizadas para salvar o fraudulento sistema financeiro mundial durante a última crise seja mobilizada em prol do Haiti e do seu povo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express