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O mito da desconcentração econômica

Parece prematura a afirmação de que está havendo desconcentração econômica na Bahia, com atividades econômicas migrando para os municípios do interior. Afirmações dessa natureza dependem de séries estatísticas razoavelmente longas, contínuas e, portanto, mais confiáveis. Basear-se em dois pontos extremos em um intervalo temporal é pouco recomendável. Não se trata, evidentemente, de negar que o peso relativo dos municípios economicamente mais dinâmicos diminuiu. Mas é mais arriscado generalizar uma observação pontual, transformando-a em tendência.

Entre 1999 e 2007 a economia baiana sofreu algumas mudanças. A instalação de empresas do setor calçadista em municípios do interior sem dúvida contribuiu para reduzir o peso relativo da Região Metropolitana de Salvador no setor industrial. Essas unidades fabris, contudo, chegam à Bahia movidas por dois fatores fundamentais: mão-de-obra barata e incentivos fiscais.

Com o Governo Lula o salário-mínimo foi alvo de uma valorização real inédita nas últimas décadas. Na Bahia, essa política impactou sobre os trabalhadores que estão nessa faixa salarial – boa parte dos residentes no interior – e também sobre aposentadorias, pensões e benefícios de prestação continuada para os mais idosos.

O volume adicional de recursos em circulação certamente colaborou para dinamizar o comércio e os serviços nos municípios menores, ajudando a reduzir as disparidades em relação às cidades de porte maior. A expansão da fronteira agrícola em direção ao Oeste também pode ser contabilizada como um fator que ajudou nessa desconcentração.

Políticas

Os fatores citados ajudam a explicar, em parte, os números levantados pelo IBGE e que vêm sendo divulgados em jornais e pela Internet nos últimos dias. Ao contrário do que se possa pensar, todavia, os governos estaduais têm participação muito menor nesse processo do que alardeiam as propagandas oficiais.

As políticas de transferência de renda são iniciativas do Governo Federal. No âmbito estadual faz pouco sentido a tentativa de se capitalizar politicamente. No Oeste, até há algum tempo não havia hospital, não há universidade estadual – há um campus avançado da UFBA – e as estradas são escassas e quase sempre péssimas, mantendo a região isolada do restante da Bahia. Dizer que houve planejamento para expandir a fronteira agrícola, portanto, não passa da mais deslavada mentira.

Nessa frágil engenharia econômica, restam as empresas calçadistas. A implantação dessas empresas, contudo, baseia-se em incentivos fiscais e em estratégias locacionais das fábricas, mobilizadas pelo baixo custo da mão-de-obra. O instrumento empregado para atraí-las – as isenções fiscais radicalizadas com a “guerra fiscal” do início da década – são antigos e de eficácia questionável para o conjunto da economia.

Efeitos

Assim, a recente desconcentração econômica anunciada assemelha-se mais a uma precipitada declaração otimista dos governantes baianos. Afinal, as bases são bastante frágeis para tais afirmações. Sem infraestrutura produtiva, sem trabalhadores qualificados e produtivos, sem políticas claras para o fortalecimento dos mercados regionais em expansão, a desconcentração é insustentável no longo prazo.

Salvador e seu entorno, além da Feira de Santana e de um punhado de cidades continuam sendo os municípios mais atrativos para a implantação de novas empresas e para o fomento a novos negócios. Possuem infraestrutura, mercados razoavelmente desenvolvidos e mão-de-obra mais preparada. Não se pode sinalizar que houve radicais transformações interregionais na Bahia na última década.

Esses números vão se tornar peça publicitária nas eleições de 2010. Faltará a necessária clareza para se refletir que, no momento, o que existe é um cenário favorável à desconcentração econômica, mas que as bases para que esta se consolide ainda precisam ser lançadas. Afirmações dessa natureza, por enquanto, não passam de mais uma mistificação entre tantas lançadas nas últimas décadas sobre a economia baiana.

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