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O Candomblé na Feira de Santana


Em Salvador, 53 terreiros de candomblé estão sendo revitalizados pelo governo estadual. As obras, que não vão absorver muitos recursos, têm um caráter mais simbólico que propriamente material, embora muitos terreiros tradicionais estejam em situação física muito precária, exigindo reparos. Responsável pela perpetuação da cultura de matriz africana, o candomblé foi implacavelmente perseguido durante séculos – e ainda é – e revitalizar os terreiros é uma iniciativa de reparação importante.

No carnaval, no dia-a-dia de quem visita a capital baiana, o candomblé, com seus ritos e orixás, está sempre presente. Certamente a crença de origem africana, trazida nos porões dos navios negreiros, é o traço cultural mais marcante da Baía de Todos os Santos e do seu entorno.

Boa parte dos negros que atravessaram involuntariamente o Atlântico para lançar as bases de cultura e da religião africanas nas Américas vieram para a Bahia e Salvador se tornou uma cidade negra, assim como outras do Caribe e da América do Norte, como Havana e Nova Orleans, respectivamente.

O número de afrodescendentes no interior baiano, contudo, é menor. A pecuária que não empregava tanta mão-de-obra em parte explica a participação relativamente menor do negro no interior. Mesmo assim, a sociedade interiorana é tributária da cultura e do sincretismo religioso africano. É necessário, portanto, que os terreiros feirenses sejam mapeados e apoiados.

Silêncio

Anos atrás, quando as noites feirenses ainda eram quase rurais, sem os sons dos motores das madrugadas citadinas, era possível acordar e ouvir, ao longe, o som contagiante da celebração num terreiro distante. Os demais ruídos dispersavam-se, mas o som dos atabaques persistia, nítido e profundo.

É difícil dizer de onde vinham as reverências aos orixás que cortavam as madrugadas frias do Sobradinho. Na Feira de Santana o candomblé sempre foi tão marginalizado quanto em outros lugares, mas aqui não se sustentava sequer o apelo da preservação e da valorização cultural.

Por essa razão os terreiros soteropolitanos, mais antigos e tradicionais, recebem recursos que não estão previstos para as Casas de Santo de Feira de Santana e da região. É interessante que entidades negras e de matriz africana se mobilizem, assim como os políticos que alegam defender os interesses da cidade.

Tradições

Na Feira de Santana há bairros habitados majoritariamente por afrodescendentes e que têm terreiros conhecidos. É o caso do bairro Rua Nova, sempre exaltado quando se fala em produção cultural, mas sempre esquecido quando se trata da destinação ou da aplicação de recursos públicos.

A miscigenação cultural na Feira de Santana sempre foi intensa e é um processo ainda efervescente. Os índios nativos misturaram-se aos escravos – muitos deles fugidos das plantações de cana do Recôncavo – e aos brancos proprietários. Depois, vieram migrantes da Bahia e de outros estados nordestinos, como pernambucanos, cearenses e paraibanos.

Albert Camus, escritor franco-argelino, disse que os sangues misturaram-se de tal forma no Brasil, que a alma perdeu seus limites. No caso feirense, talvez seja a hora de tentar resgatar nossas origens para compreender a profundidade da transcendência desses limites.

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