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Evocação do Recife

Andei procurando pela Internet o poema “Evocação do Recife”, de Manuel Bandeira. No site de busca Google há exatas 21 mil referências à expressão, com aspas. “Evocação do Recife” é dos mais elevados momentos da literatura brasileira. Intenso em suas imagens, vívido na meticulosa distribuição de suas palavras, através de frases que não contêm ordem aparente e, sobretudo, hipnótico à atenção do leitor.

À medida que a leitura flui, o Recife de Bandeira vai despertando sensações. A rotina das famílias à noite, as brincadeiras infantis, cavalhadas e novenas, o Capiberibe, o povo pelas ruas falando a língua brasileira. Por fim, a quase intimidade com a casa do avô de Bandeira, “impregnada de eternidade”. Às últimas palavras, resta uma indefinível sensação de nostalgia. Nostalgia pelo que não se viu, mas pelo que se sentiu através da leitura.

Fui apresentado a Bandeira na adolescência, num livro de Língua e Literatura Portuguesa. Não lembro mais o autor, mas lembro do poema e, sobretudo, do êxtase despertado nas monótonas e ensolaradas tardes de 1992, em sala de aula.

Passados tantos anos, muita coisa mudou. Inimaginável à época, “Evocação do Recife” está hoje a meia-dúzia de cliques, no monitor de um computador. Lastimavelmente, o problema ainda é a forma.

Num site, cortaram as frases, adaptando a obra às imposições do leiaute. Noutro, o piscar incessante dos anúncios nas bordas compromete a concentração necessária à leitura. Num terceiro, “Evocação do Recife” disputa espaço da tela com um anúncio que pisca alucinadamente, prometendo resolver os problemas de inadimplência do internauta.

Numa busca não muito prolongada, só encontrei clima razoável para a leitura no site http://www.revista.agulha.nom.br/manuelbandeira03.html. Nesse, não há publicidade luminosa e a cor de fundo é mais apropriada à apreciação da literatura.

Creio que aí residem as duas grandes contradições da Internet. Por um lado, a facilidade e a comodidade em se visualizar uma obra-prima como “Evocação do Recife”. Por outro lado, quem define leiaute de site não costuma ter intimidade com literatura ou, pelo menos, com as formas mais sofisticadas de apreciá-la. Assim, por enquanto, uma boa versão impressa ainda é indispensável.

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