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O Fluminense e a identidade feirense

            

Feira de Santana possui uns traços de identidade que foram se desfazendo ao longo dos anos. Um deles era a tradicional feira-livre, que fez fama e projetou a então cidade comercial. Outro, ainda mais antigo, são os olhos d’água, arrimo das boiadas e dos vaqueiros que por aqui apeavam, isso nos primórdios da nossa formação como núcleo populacional, no alvorecer do século XIX. Nos primeiros anos do século XX, experimentamos o impulso inicial da expansão urbana, quando se ergueram majestosos imóveis característicos da tardia belle époque feirense.
            Pois bem: a feira-livre transmutou-se, rendendo-se aos imperativos do progresso e se refletindo no funcional Centro de Abastecimento, com sua lógica segmentada. Os olhos d’água foram soterrados pelo descaso com o meio-ambiente e pela irrefreável expansão urbana, que poupou raríssimas lagoas. E os vistosos casarões tornaram-se, ao longo das décadas, discretos imóveis comerciais ou, depois de demolidos, acabaram reduzidos a estacionamentos rotativos.
             Restaram poucas referências identitárias da Feira de Santana: o comércio frenético, sobretudo às segundas-feiras, quando por aqui desembarcam milhares de tabaréus de municípios vizinhos. Ou o Centro Industrial do Subaé e suas dezenas de indústrias que despejam o progresso de suas chaminés. São, no entanto, referências instáveis, que se transformam o tempo todo, sem feições muito claras.
            Assim, esse ansioso debulhar da alma feirense vai esbarrar, necessariamente, no Fluminense de Feira. Sim: fustigado pela vergonhosa humilhação do rebaixamento há dois anos, atolado em dívidas e manquitolando com uma estrutura praticamente amadora, o mais tradicional time de futebol da cidade – falar em clube é exagero – simboliza fortemente a alma local.

            Força

            Estive no Joia da Princesa na incandescente tarde da estreia na segunda divisão, contra o Botafogo soteropolitano, exatamente no Dia do Índio, há duas semanas. E testemunhei a paixão que move o torcedor feirense pela sua principal equipe de futebol. Quatro mil torcedores mergulharam num êxtase coletivo raro de ver nos bicudos dias atuais do futebol baiano.
            Vá lá que a equipe é limitada e que a tensa expectativa comprometeu o desempenho em campo, sobretudo no início do jogo. Mas depois do primeiro – e belíssimo – gol o time deslanchou e entrou no embalo da torcida a partir do segundo tempo. Festa nas arquibancadas e muita disposição em campo, foi o que se viu.
            Apesar do campeonato curto, é cedo para apontar favoritismo. Talvez por isso, naquele domingo ensolarado, o que o torcedor pretendeu foi viver o momento singular, curtindo uma vitória do Fluminense, sem preocupações adicionais. Afinal, há quase um ano a equipe não se exibia no gramado irregular do Joia da Princesa. O reencontro com a vitória teve um sabor adicional.

            Futuro

            Conforme já apontado, o Fluminense se confunde com a identidade da Feira de Santana. Os seus dois títulos estaduais, as tantas jornadas inesquecíveis no Joia da Princesa e as inúmeras competições regionais e nacionais ajudaram a projetar a cidade para além da Bahia e, também, reforçaram os laços afetivos do feirense com a sua equipe.
            Talvez apostando nisso, nesse 2015, a grande novidade até aqui foi a intensa mobilização da diretoria para que o torcedor comparecesse ao estádio, sobretudo vendendo ingressos a preços atrativos. Os resultados, ao menos na primeira rodada, foram bastante promissores. A manutenção do ritmo pode ser fundamental para assegurar a ascensão da equipe.

Dessa forma, é urgente que o Fluminense retorne à primeira divisão do Campeonato Baiano. Caso contrário, o escudo tricolor e o touro como símbolo vão, lentamente, começar a se diluir na memória dos feirenses, como tantos outros traços da identidade local ao longo dos últimos anos.

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