Em
meados da década de 1970 o centro da Feira de Santana passou por uma
reconfiguração espacial significativa, com a inauguração do Centro de
Abastecimento, no chamado Parque Manoel Matias. A mudança foi vendida pela
propaganda oficial como um corajoso passo em direção ao progresso e ao
desenvolvimento. Afinal, o frenético mercadejar ali pelas avenidas Getúlio
Vargas e Senhor dos Passos constrangia o sisudo funcionamento das agências
bancárias e do comércio formal das lojas, que havia anos reivindicavam a remoção
dos feirantes.
A
transição não foi pacífica: de um lado, enfileiraram-se os feirantes,
consumidores, alguns jornalistas e parte da intelectualidade feirense, inconformados
com o golpe desfechado não apenas na tradicional feira-livre, mas na própria
identidade da cidade; do outro, autoridades públicas, comerciantes e funcionários
das agências bancárias exaltavam o ordenamento do centro, que começava a se
assemelhar ao centro asséptico das grandes metrópoles.
No
embate, prevaleceu o discurso da modernização que se ancorava num trunfo
recente: como o município ganhara, anos antes, o Centro Industrial do Subaé, o
CIS, tudo sinalizava que a Feira de Santana caminhava para constituir um
possante parque industrial, o que exigiria intervenções para reordenar os
espaços e torná-la compatível com o perfil econômico que se desenhava.
Nos
anos seguintes, no entanto, esses prognósticos mostraram-se equivocados.
Lentamente, muitos camelôs e ambulantes reocuparam o centro da cidade, que
voltou a ter um vigoroso comércio de rua em meados da década de 1980. O
desemprego, as escassas oportunidades de trabalho e a crise econômica
impulsionaram essa retomada, que se desdobrou em incontáveis capítulos.
Feiraguai
Crise
econômica, escassas oportunidades de trabalho e o acesso franqueado a produtos
chineses contrabandeados via Paraguai impulsionaram o surgimento de vendedores
informais pelo centro comercial da cidade. Após incontáveis batalhas, em 1995,
surgiu uma alternativa: dezenas de comerciantes de produtos eletrônicos
migraram para a abandonada praça Presidente Médici, dando início ao famoso
“Feiraguai”.
Esse
passo acomodou interesses antagônicos: por um lado, o comércio formal festejou
a partida, para um local distante, dos ambulantes indesejados; por outro lado,
o setor informal encontrou um espaço próprio – embora precário e desconfortável
até os dias atuais – onde prosperou e ganhou projeção, inclusive nacional.
Hoje
o “Feiraguai” fervilha e se tornou um dos eixos dinâmicos do comércio feirense.
A centralidade, antes concentrada nas avenidas Getúlio Vargas e Senhor dos
Passos e em algumas poucas ruas adjacentes, se expandiu para os fundos da
Igreja Matriz, dinamizando o entorno. Com essa dinamização, por lá também se
implantou também o caos da mobilidade.
Eixos Dinâmicos
Essa
exposição sintética mostra que o espaço no centro expandido da Feira de Santana
viveu dois momentos marcantes, com desdobramentos similares: inicialmente, a decisão governamental
de relocar a feira-livre para o Centro de Abastecimento criou um novo espaço
dinâmico no comércio local, ainda que tenha demorado a se consolidar.
Num
segundo momento, o desespero e a falta de alternativas do comércio de rua
induziram a dinamização do entorno do novo espaço ocupado, a praça Presidente
Médici. Sem qualquer tipo de planejamento preliminar, a cidade ganhou um novo e
dinâmico eixo comercial, que contribuiu para descentralizar a atividade
econômica das vias mais tradicionais, já saturadas.
Assim,
dois fenômenos aparentemente díspares – um entreposto planejado e a ocupação de
uma praça abandonada por ambulantes e camelôs – integram as mudanças mais
profundas ocorridas, nas últimas décadas, na dinâmica econômico-espacial no
centro da cidade.
Há,
todavia, um terceiro – a construção de um grande shopping na avenida João
Durval – e, potencialmente, um quarto, cuja formulação urge. Esses temas,
porém, serão tratados em um próximo artigo...
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