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Riqueza e cultura das feiras-livres


Há duas semanas tivemos a oportunidade de apresentar um ensaio sobre o comércio informal no centro de Feira de Santana no 37º Congresso Brasileiro de Estudos Rurais e Urbanos promovido pela faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). O ensaio que originou a apresentação foi gestado a partir de dois artigos publicados na Tribuna Feirense no início do ano. A principal ideia defendida – no artigo e no ensaio – é de que a feira-livre retornou mudada para as ruas centrais da cidade, com uma nova forma de organização espacial e com novos produtos e serviços.

No debate que se seguiu à apresentação fiquei sabendo da importância que alguns estudiosos da USP atribuem a trabalhos relacionados à dinâmica de feiras-livres, à organização do comércio informal no centro da principal metrópole brasileira e, sobretudo, ao papel que esses espaços desempenham na construção ou transformação de processos culturais.

É evidente que, com o crescimento das cidades e a diversificação das atividades econômicas, as feiras-livres perderam a importância de principal dínamo dos processos culturais. Metrópoles e grandes cidades se fragmentaram culturalmente, manifestando múltiplas feições. Parte dessas feições está no comércio informal e nas feiras-livres.

Tempos atrás Caetano Veloso comparou Feira de Santana a São Paulo. Guardando as devidas proporções, ambas resultam de processos semelhantes, como centros econômicos polarizadores e receptores de grandes fluxos de migrantes, que aportaram em ambas em busca de melhores condições de vida.

Comércio Informal

Outra semelhança entre as duas cidades reside no comércio informal em si. Lá a rua 25 de Março atrai comerciantes do Brasil inteiro e movimenta somas difíceis de mensurar. Na Feira de Santana consolidou-se o “Feiraguai”, com toda a confusão de feirenses e visitantes que buscam adquirir desde produtos banais – como adesivos infantis, por exemplo – até produtos sofisticados que muitas vezes não estão acessíveis sequer no comércio formal.

A Feira de Santana, todavia, apresenta o diferencial de manter no próprio centro da cidade um movimentado comércio de frutas, verduras e legumes que não se vê na capital paulista. E ainda temos, bastante característico, um forte traço cultural, a preservação da identidade com essa forma de mercadejar.

Isso tudo sem considerar o Centro de Abastecimento, que nos últimos anos ganhou em dinamismo e constitui o principal entreposto comercial da região, com clientela de mais de cem municípios.

Olhar Diferente

Nos últimos anos evoluímos o bastante para perceber que a riqueza vai além dos bens materiais tangíveis – aquilo que se pode tocar -, mas também se manifesta no intangível, nos conhecimentos, nos saberes e na cultura. E aprendemos que preservar a cultura é relevante.

Na Feira de Santana ainda precisamos avançar no sentido de preservar, conhecer e valorizar nossa própria história. Isso não significa renunciar ao progresso ou aos avanços que são inevitáveis e necessários: pelo contrário, nos conhecendo mais podemos planejar melhor o futuro e torná-lo mais compatível com o que desejamos.

Mesmo que alguns torçam a cara e desprezem a cultura popular que se construiu com as feiras-livres durante quase dois séculos, ela existe e deve ser valorizada e mais conhecida. As feira-livres não merecem o tratamento preconceituoso que se utilizou para removê-la do centro da cidade nos anos 1970, sob o discurso do progresso e da prosperidade.

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