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Uma crônica profética de Armando Oliveira

 Sempre fui fã do falecido comentarista esportivo Armando Oliveira. Adolescente, acompanhava as grandes vitórias do Bahia – naqueles tempos o Tricolor de Aço reservava muitas alegrias para sua torcida – atento aos seus comentários sóbrios, precisos e elegantes. Quem ouvia suas análises ficava com a impressão de acompanhar o jogo no estádio, vendo tudo, tamanha era a sua capacidade de traduzir o que acontecia no gramado. Não foi à toa que se tornou um dos profissionais da crônica esportiva mais prestigiados do Brasil.

Armando Oliveira também escreveu crônicas para os jornais de Salvador. Seu talento deixou marcas nas páginas do extinto Jornal da Bahia, mas também em A Tarde, no Correio e, sobretudo, na Tribuna da Bahia. Após a sua morte, parte dos seus textos foi reunida em um livro, que o homenageou postumamente. Num sebo soteropolitano, tive acesso a um exemplar.

O cronista que labutava nas redações não se limitava ao futebol. Muito pelo contrário: trafegava pelas mais diversas dimensões da vida e dos fatos e a política era tema que sempre abordava. Nos anos 1980, por exemplo, escreveu excelentes textos sobre a democracia e o restabelecimento das liberdades no país. Os políticos, obviamente, não escaparam de suas irônicas observações.

Um deles foi o ex-presidente José Sarney. O trecho seguinte refere-se ao político maranhense. Mas parece mais aplicável aos mandatários dos dias atuais. Sinal de que avançamos pouco desde então:

“O homem é a síntese das nossas imperfeições e ninguém gosta de vê-las refletidas no exercício do poder”, anotou, em “Escarrado e cuspido”, texto que começou feliz já no título. Adiante tem mais: “Oportunista, medíocre, bajulador, sua carreira foi construída a golpes de agachamento”.

O melhor, porém, vem mais à frente. É bom lembrar que o texto se refere ao governo Sarney, que expirou há três décadas, não aos dias atuais:

“No exercício da administração pública, um exemplar perfeito (...) Cupinchas e familiares prosperando vertiginosamente, adversários tratados a pão sem água, muita mordomia, ‘moral de jegue’ para consumo externo, enfim, a lesma lerda que a gente conhece de antigos Carnavais”.

E não para por aí:

“Julga-se um notável estadista, adora fazer presepada, viajar às custas dos outros (...) prometer sem a mínima intenção de cumprir, passar a perna no próximo, puxar o saco dos milicos, enfim, comporta-se como o brasileiro de estatura mediana”.

E arremata, profético:

“Enquanto não adquirirmos uma melhor aparência cívica, pega mal jogar a culpa no espelho”.

Falecido em 2005, Armando Oliveira parecia estar descrevendo o triste Brasil dos dias pandêmicos que se arrastam, angustiantes. Pior: Sarney, pelo menos, tinha verniz civilizado, até se aventurava pela literatura com seu “Marimbondos de Fogo”. Os que estão aí aboletados no poder, com seu projeto obscurantista, tem ojeriza à leitura, aos livros, à cultura de uma forma abrangente. E a tudo que não seja a morte.

A crônica desperta no leitor a recordação de que o Brasil sempre foi isto que se vê. No passado, até teve seus momentos de esperança – fugazes, efêmeros, até ingênuos – mas, agora, mergulhado no mesmo lodaçal de equívocos de desde sempre, torna toda esperança pueril. Por enquanto, tudo indica que temos um longo passado pela frente.

Mas, ao menos, vale a pena ler as crônicas de Armando Oliveira, craque do microfone e também da máquina de escrever...

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