Pensei em escrever um artigo sobre as perspectivas para o emprego na Feira de Santana em 2021. Desisti: o País atravessa um momento tão caótico que o exercício não passa, sob certo sentido, de especulação. Bancar a empreitada, tocá-la adiante na base da cogitação é juntar palavras inúteis. Não é só a pandemia da Covid-19 que torna tudo mais difícil, não. O desgoverno aboletado em Brasília é a variável mais problemática. Afinal, a morte, por lá, parece ser o único objetivo, a meta absoluta. Pensar em termos racionais, portanto, é arriscado, impreciso. Não é figura de linguagem anotar que o Brasil está à deriva.
É
bom lembrar também que a ciência econômica encolheu. Virou chavão, frase feita,
clichê que cabe em qualquer postagem medíocre nas mídias sociais que fervilham.
Pelo menos quando se lê os autoproclamados oráculos que transmitem sua
sabedoria via memes. Antes, no
Brasil, todo mundo era técnico de futebol. Com a pandemia, avultam os médicos,
os infectologistas. Em relação à função do economista aconteceu o mesmo: qualquer
desocupado numa esquina arvora-se a destilar alta sabedoria econômica.
O
desemprego é grande? Culpa dos direitos trabalhistas, é necessário cortá-los,
reduzi-los ao mínimo; o Estado não investe? Culpa dos nababescos privilégios
dos servidores públicos, vilões nacionais; uma empresa qualquer anda mal das
pernas? É a carga tributária, é imperioso encolhê-la, ajustá-la a vagos padrões
internacionais. Essas fórmulas – rasas – dão conta de boa parte do volume de
conhecimento destes sábios.
O
restante reserva-se às privatizações. Faltou água na periferia? Culpa da
estatal, é questão estratégica privatizá-la; subiram os preços dos
combustíveis? O dedo acusador aponta a Petrobras, indispensável vendê-la; e
quando faltam leitos nos hospitais ou os serviços de saúde pública são
insatisfatórios? Privatiza que otimiza. Nem a educação escapa: expoentes do
tosco – e iracundo – liberalismo caipira defendem a privatização e os vouchers para as famílias dos estudantes.
Nada mais delirante.
Estas
fórmulas, que cabem em dois parágrafos, também movem a cobertura do noticiário
econômico. Aconteça o que acontecer, os jornalistas vão procurar os oráculos do
deus mercado – a grande imprensa não ouve mais professor de universidade
pública como fonte – para repisarem essa “sabedoria”. O noticiário econômico,
que por natureza é complexo, tornou-se enfadonho, previsível, chato,
burocrático. Mas tudo porque repetir o mantra liberal é a única finalidade
hoje.
Os
expoentes dessa sabedoria liberaloide costumam ser enfáticos na defesa de seus
chavões. E o fazem com fé inabalável. Creio que este ponto é crucial: noutros
tempos, economia era campo de conhecimento que adotava os métodos próprios da
ciência. Ultimamente converteu-se num conjunto bem limitado de “ideias” que
costuma ser defendido como todas as crenças religiosas: com gritos, berros,
histrionismo e, se necessário, até com ameaças; em casos extremos, com
violência. Em suma, virou religião.
Daí
a sensação de inutilidade do debate ancorado em ciência. Tudo que fuja da fé
vigente por aí é atacado com a violência típica do fundamentalismo. Quem abraça
outras visões – como ciência, a economia é múltipla e diversa – pouca se
manifesta ou fala e poucos ficam sabendo, porque os canais de divulgação estão
obstruídos pela histeria liberaloide. É triste, mas é o momento que se vive no
Brasil. Infelizmente, não só na economia.
Que
fazer? Sustentar a luta contra a estupidez coletiva é o único caminho. Árduo,
tortuoso, íngreme, mas único caminho. É a forma de tentar impedir que a
barbárie se instale em definitivo...
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