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O fim do planejamento governamental

Qualquer empresário médio ou executivo de grandes corporações privadas conhece bem a importância do planejamento. Algumas empresas delegam a atividade para setores inteiros. Muitas contratam consultorias; e o que há de mais moderno em planejamento estratégico é tema familiar nas corporações de vanguarda. Afinal, é imprescindível traçar cenários, saber se posicionar em relação aos desafios futuros, entender como se comportam fornecedores, concorrentes, consumidores. E, sobretudo, dimensionar as próprias potencialidades.
Se já é indispensável na esfera privada, o planejamento é ainda mais essencial no setor público. Nele, revelam-se múltiplos conflitos que exigem resolução mediante o planejamento; impõe-se o uso adequado dos recursos escassos, sobretudo em contexto de crise, como agora; e coloca-se como indispensável a definição de prioridades e a devida comunicação à população, desde o período eleitoral, quando se fazem as escolhas.
Pois bem: passou despercebido, mas o festejado pacote de medidas do governo Jair Bolsonaro, o “mito”, prevê a extinção do Plano Plurianual (PPA), em vigência desde a Constituição de 1988. A idéia é de Paulo Guedes – aquele que foi chamado de “Tchutchuca” – e sua trupe do Ministério da Economia.
É justamente o PPA que abriga o conteúdo estratégico dos governos. Isso é estabelecido pelo artigo 165 da Constituição, que se pretende mudar.  Segundo noticiou a imprensa, a justificativa é burlesca: como muitos entes não cumprem o que eles próprios estabelecem no plano, suprime-se o próprio plano.  Noutros tempos, recorria-se a desculpas melhores. Mas é a “nova política”, dirão alguns, entusiasmados.
Na verdade, a hostilidade com o planejamento é muito mais fruto do liberalismo vulgar, pueril, que se tornou epidemia no Brasil nos últimos anos. Muitos dos seus mais entusiastas defensores absorveram esses conhecimentos nas badaladas mídias sociais, sem leitura, reflexão e análise de qualquer experiência concreta. E só lá. Essa é a dimensão teórica – diga-se assim – da questão. Mas há mais do que isso.
Todo mundo sabe que a Nova República desembestou num balcão repugnante, num toma-lá-dá-cá abjeto nos parlamentos. Inclusive no governo do “mito”, que tanto alardeou que era um bastião moral, oráculo dos novos tempos. Revogar o planejamento, na verdade, vai implicar em potencializar essas práticas abomináveis.
Afinal, sem regras para a aplicação de recursos públicos, qual modus operandi vai prevalecer? A resposta parece bem óbvia: o balcão, o varejo, o retalho.  Para o País vai ser uma catástrofe: sem grandes projetos, vão-se multiplicar as intervenções miúdas, em currais eleitorais, replicando a lógica clientelista.
Dispersando esforços e recursos que poderiam ser aplicados em intervenções planejadas e estruturantes, os gargalos tendem a se aprofundar. A almejada retomada do crescimento econômico pode esbarrar, lá adiante, em obstáculos gestados por essa própria lógica do varejo. Os liberais piraquaras desdenham do raciocínio: o mercado – o deus mercado – proverá todo investimento necessário. Será? 

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