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O debate eleitoral sobre a adolescência



                              
Contrariando muitas previsões, a campanha eleitoral neste 2014 segue morna até o momento. As expectativas, agora, se voltam para o início da propaganda no rádio e na televisão, no próximo dia 19. Tradicionalmente, é nesse momento que a população, de fato, se ocupa com a definição de seus candidatos. Até aqui, somente os eleitores mais esclarecidos, aqueles que acompanham o noticiário político, costumam ter opiniões mais abalizadas. Mas o fato é que a campanha já está na rua. E, com ela, determinados temas começam a ganhar projeção, incorporando-se às discussões do eleitorado.
                É o caso da redução da maioridade penal. Catapultado pelo incessante martelar dos programas sensacionalistas de tevê, o tema flui fácil no discurso de alguns candidatos. Esses, de olho nas urnas, reverberam o senso comum, do eleitor médio, que sofre uma incessante pressão a partir do momento em que manuseia o controle-remoto.
Daí começam a surgir propostas. A mais despretensiosa almeja punição mais rigorosa para os menores que cometem “crimes hediondos”. Os mais audaciosos defendem, simplesmente, a redução da maioridade penal. Poucos se ocupam com o destino desses adolescentes no sistema prisional: nesse aspecto, também preservam coerência com o senso comum.
O maior rigor com os menores infratores, todavia, integra uma proposta conservadora mais ampla, de endurecimento de todas as leis. Nela, os crimes habitualmente cometidos pelos mais pobres – rico no Brasil nunca vai preso – terão punição ampliada. Como se, no País, a quantidade de presos fosse ínfima.
Por outro lado, temas que, no longo prazo, podem reduzir a violência e a exclusão, são esquecidos. É o caso da Educação. Mais especificamente, o acesso à sala de aula na faixa etária dos 15 aos 17 anos, para a qual se almeja punição com rigor redobrado. Na Bahia, pouco se tocou no assunto nesse início de campanha eleitoral.
Abandono
No estado, o acesso à sala de aula se ampliou entre 2000 e 2010, de acordo com dados do IBGE: passou de 79,3% para 83,7% em uma década. O problema, porém, está na taxa líquida de escolarização, que avançou mais, mas muito menos que o desejável: era 21,1% em 2000 e alcançou 39,2% dez anos depois. Isso significa que, de cada 10 adolescentes entre 15 e 17 anos, somente quatro concluem o ano letivo. A repetência, outro problema, não entra nessa análise, diga-se de passagem.
Em Feira de Santana, os números são semelhantes: a taxa de acesso oscilou de 83,6% para 86,7% e a líquida de 26,2% para 43% no mesmo intervalo apurado, os anos de 2000 e 2010. Pode-se concluir, portanto, que há pouca diferença entre os números observados no estado e na Feira de Santana. É provável, até, que os problemas sejam os mesmos.
Uma avaliação qualitativa permite visualizar o drama que esses números embutem: repetência, má qualidade no ensino, dificuldade no aprendizado, desestruturação familiar e a implacável e quase onipresente pobreza que acarreta múltiplos problemas, inclusive o imperativo do trabalho precoce para ajudar a família. Ao final das contas, o efeito é o mesmo: o abandono da escola.
Muitos desses garotos na faixa etária dos 15 aos 17 anos são seduzidos pelas drogas e pelo tráfico, oportunidades de uma falsa e ilusória “ascensão” social. Lá adiante, enfrentarão problemas com a Justiça, em função do seu envolvimento com a criminalidade. É para penalizar esses adolescentes que se defende o endurecimento da legislação.
Caso buscassem soluções duradouras para os problemas da sociedade, os candidatos nessas eleições de 2014, além de discutir penas mais duras, deveriam debater e propor melhorias para a educação pública. Uma iniciativa fundamental seria a educação em tempo integral e o desenvolvimento de mecanismos que, efetivamente, assegurem a permanência dos adolescentes em sala de aula. Isso, porém, não dá visibilidade na mídia e possui pouco apelo junto ao eleitorado acossado pelo medo da violência...

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