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O BRT como panaceia para o caos no transporte público



               
    Parece que a atual gestão municipal da Feira de Santana aposta todas as suas fichas na implantação do chamado BRT (Bus Rapid Transit) na cidade, num futuro ainda impreciso. Afinal, só isso para justificar o quadro caótico em que se encontra o transporte coletivo no município. Tarifa cara, veículos velhos que quebram com muita frequência ou que, simplesmente, pegam fogo e longas esperas nos pontos integram a rotina do feirense há muitos anos. Mas, ultimamente, a situação aproxima-se dos limites do insustentável. Não é à toa que o transporte clandestino encontra tanta demanda.
                O noticiário sobre o BRT deixa transparecer que, quando implantado, o sistema vai solucionar todos os problemas de mobilidade no município. Esse entusiasmo deve ser visto pela população com cautela: diversas grandes cidades brasileiras e de outros países apostaram no sistema, adotando-o ao longo dos últimos anos, com variáveis graus de sucesso.
                Pelo que se noticia, serão implantados dois corredores exclusivos nas avenidas Getúlio Vargas e João Durval Carneiro. Neles, os veículos circularão em faixas exclusivas, especialmente construídas, reduzindo o tempo médio de deslocamento do usuário. Essa é a versão divulgada, no momento, a segmentos diversos, com tons dourados.
                O todo-poderoso lobby das empresas de ônibus, porém, omite uma série de problemas que esse sistema já apresenta nas cidades onde foi  implantado. O primeiro – e principal – aspecto a ser desmistificado é que não existe solução mágica: todos os formatos implicam em custos e acarretam problemas com diversos níveis de complexidade.
                Quando o BRT foi implantado em Curitiba a imprensa nacional tratou de cobrir a experiência de elogios. A capital paranaense tornou-se paradigma de sucesso em questão de mobilidade urbana. Nos anos seguintes, porém, os problemas foram surgindo – a exemplo da superlotação – mas não ganharam o mesmo espaço na mídia. Outras experiências, consideradas altamente exitosas, também povoam o imaginário jornalístico. É o caso de Bogotá.
                Bogotá
                Há duas semanas tive a oportunidade de conhecer a capital colombiana. E não perdi a chance de, exaustivamente, utilizar o BRT, rebatizado na capital andina de TransMilenio. Uma virtude inicial é inegável: o veículo circula livremente pelas faixas exclusivas, retardando-se apenas nos semáforos. É inquestionável o avanço em termos de elevação da velocidade média, o que favorece o usuário.
                Há, contudo, problemas que nem sempre ganham espaço na imprensa: um deles é a superlotação. Nos horários de pico e mesmo fora dele é difícil viajar sentado. Muitos passageiros são forçados a verdadeiros malabarismos para se equilibrar nos veículos, sobretudo no início da manhã e no final da tarde.
                Integração só existe dentro das estações: caso seja forçado a deixar o equipamento, o usuário tem que pagar nova passagem. O valor, inclusive, não varia: nos sábados, domingos ou feriados,  paga-se a mesma tarifa. Nesses dias, a propósito, a frota é dramaticamente reduzida, forçando o usuário a longas esperas. Exatamente como acontece onde não existe BRT.
                Note-se, adicionalmente, que o BRT foi implantado em grandes avenidas – as carreras e calles mais importantes – mantendo à parte grande parte de Bogotá. Nas regiões da cidade não cobertas pelo serviço, a qualidade do transporte público é bastante pior que em grande parte das capitais brasileiras. Verdadeiras “chaleiras” transportam passageiros numa locomoção cara e arriscada.
                Evidentemente, não se pretende esgotar num texto simples o debate sobre o polêmico BRT. Mas se deseja advertir que, nas propagandas e nos discursos, a realidade é sempre muito mais doce e rósea que a vida verdadeira. Caso o sistema efetivamente saia do papel na Feira de Santana, impactos significativos serão gerados sobre a vida da população, o que naturalmente exige discussões mais aprofundadas...

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