Pular para o conteúdo principal

Inferências sobre o Mercado de Trabalho (II)



               
                 Semana passada iniciamos uma discussão sobre o mercado de trabalho na Feira de Santana. E com notícias alvissareiras: apesar de todo o debate travado acerca das perspectivas de crescimento da economia brasileira, o município segue gerando novos empregos formais, embora a um ritmo inferior àquele alcançado em período recente, particularmente entre os anos de 2007 e 2010, quando o Produto Interno Bruto (PIB) se expandiu 7,5%. Mas, conforme apontamos, a discussão foi sobre o mercado formal de trabalho.
                O setor formal constitui apenas uma parcela do mercado de trabalho. E, até recentemente, era parcela minoritária: somente nos últimos anos a formalização tem crescido, aproximando-se dos 50% do conjunto dos trabalhadores. Esses, como todos sabem, figuram entre os “privilegiados”, já que desfrutam de direitos trabalhistas e previdência social, o que nem sempre o trabalhador informal consegue.
                Dados de 2010 do IBGE indicavam que havia 105,6 mil feirenses com carteira assinada, recebendo salário médio de R$ 964. Quem labutava sem carteira assinada, além de ganhar menos – R$ 554 – compunha um exército numericamente nada desprezível: 60,9 mil pessoas, conforme o levantamento do instituto. Aparentemente, cerca de dois terços dos feirenses estavam no mercado formal.
                O problema é que outro contingente significativo bordeja a informalidade: os trabalhadores por “conta própria”. Esses, de acordo com o IBGE, eram 62,5 mil e extraíam rendimentos até melhores: R$ 1.033. Nesse universo gravitam desde pequenos empresários bem-sucedidos até trabalhadores com rendimentos bem mais modestos que almejam ingressar no mercado formal.
                Medidas
                Somados, esses dois grupos representam exatos 123,4 mil trabalhadores. Quando se soma os trabalhadores em regime de CLT mais os funcionários públicos estatutários e militares (11,9 mil pessoas), alcança-se a soma total dos trabalhadores formais: 117, 5 mil pessoas. Há mais gente no mercado informal que neste universo, com carências e necessidades de qualificação amplamente heterogêneas.
                As distintas realidades que envolvem a informalidade tornam mais complexas as intervenções do poder público. Algumas características, no entanto, costumam ser comuns a grande parte da atividade: baixa remuneração – conforme atestam os dados mencionados acima – precariedade no exercício dessas funções, baixa qualificação média do trabalhador e baixos níveis de produtividade.
                Na raiz de todos esses problemas está, em grande medida, a qualidade ruim da educação ofertada na rede pública. É a curta permanência de crianças e adolescentes na escola – abandono e repetência constituem características cruéis dessa realidade – um dos principais ingredientes que alimentam o surgimento e a proliferação da informalidade.
                Problema Estrutural
                Há, também, um elemento estrutural que alimenta o mercado informal: não existem, disponíveis, postos de trabalho suficientes para absorver  o conjunto de jovens e adultos que, todos os anos, buscam emprego. É algo próprio da natureza do capitalismo. A ausência de oportunidades faz com que muitos – mesmo que tenham qualificação mediana – migrem para a informalidade. Nela, passam a viver a ilusão do ingresso formal num futuro incerto.
                No Brasil, durante décadas, a informalidade no trabalho foi considerada um tema secundário pelos governantes, alvo de pouquíssimas discussões e de raríssimas intervenções. Esse descaso contribuiu para a acentuação de determinados problemas, que se tornaram crônicos ao longo do tempo. Dada a expansão do fenômeno e a visibilidade que adquiriu, tornou-se necessário  abordar a questão.
                Infelizmente o Brasil ainda engatinha na formulação de políticas públicas que promovam melhorias efetivas no mercado de trabalho. As dimensões do mercado informal na Feira de Santana e o caráter multifacetário que o caracteriza atestam a urgência de se discutir o tema e o imperativo de propor políticas que considerem a realidade tal como ela se coloca.


               

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Parlamento não digere a democracia virtual

A tentativa do Congresso Nacional de cercear a liberdade de opinião através da Internet é ao mesmo tempo preocupante e alvissareira. Preocupante por motivos óbvios: trata-se de mais uma ingerência – ou tentativa – da classe política de cercear a liberdade de opinião que a Constituição de 1988 prevê e que, até recentemente, era exercida apenas pelos poucos “privilegiados” que tinham acesso aos meios de comunicação convencionais, como jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Por outro lado, é alvissareira por dois motivos: primeiro porque o acesso e o uso da Internet como meio de comunicação no Brasil vem se difundindo, alcançando dezenas de milhões de brasileiros que integram o universo de “incluídos digitais”. Segundo, porque a expansão já causa imensa preocupação na Câmara e no Senado, onde se tenta forjar amarras inúteis no longo prazo. Semana passada a ingerência e a incompreensão do que representa o fenômeno da Internet eram visíveis através das imagens da TV Senado:

Cultura e História no Mercado de Arte Popular

                                Um dos espaços mais relevantes da história da Feira de Santana é o chamado Mercado de Arte Popular , o MAP. Às vésperas de completar 100 anos – foi inaugurado formalmente em 27 de março de 1915 – o entreposto foi se tornando uma necessidade ainda no século XIX, mas só começou a sair do papel de fato em 1906, quando a Câmara Municipal aprovou o empréstimo de 100 contos de réis que deveria custear sua construção.   Atualmente, o MAP passa por mais uma reforma que, conforme previsão da prefeitura, deverá ser concluída nos próximos meses.                 Antes mesmo da proclamação da República, em 1889, já se discutia na Feira de Santana a necessidade de construção de um entreposto comercial que pudesse abrigar a afamada feira-livre que mobilizava comerciantes e consumidores da região. Isso na época em que não existia a figura do chefe do Executivo, quando as questões administrativas eram resolvidas e encaminhadas pela Câmara Municipal.           

“Um dia de domingo” na tarde de sábado

  Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada: “ ... Eu preciso te falar, Te encontrar de qualquer jeito Pra sentar e conversar, Depois andar de encontro ao vento”. Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma express